Em
política, escrever na primeira pessoa do singular pode, muitas vezes, ser
perigoso. Sobretudo quando pensamos estar a tratar de um tema menor, permitindo
que o humor suporte a verve de quem se apresenta ao leitor com uma ironia breve.
O Daniel Oliveira trata aqui, nesses moldes, de algo que é fundamental, mesmo
que na forma se apresente como um desabafo em meio a temas maiores: a saturação
das reuniões. Um tema que não deixa indiferente quem faz da vida uma tentativa
política de melhorar o mundo. A saturação das reuniões, ou a “reunite” como lhe
chama DO, remete para um dilema antigo: a política ou a vida. Pois uma hora de
reunião na sede de um partido ou de uma associação é uma hora que nos falta na
poesia solta da vida, na leitura desencontrada da madrugada, nos lábios do ser
amado. E como em todos os dilemas, há sempre um lado vencedor, há sempre alguém
que fica sozinho.
Mas
será este um dilema verdadeiro? Ou serão muito mais as portas que se abrem dos
que as se fecham no caminho? Senão vejamos. O DO coloca no mesmo saco as reuniões
políticas e as de trabalho. Erro fatal. A política é uma vontade, e a reunião
política só pode ser a concretização dessa vontade. Como tal ela estipula-se no
acordo de quem comparece, ao contrário da força de quem a impõe e dela faz
depender o emprego de quem está subordinado.
Mas
mesmo entre essas haverá semelhanças, é certo, e como tal pode-se avançar um
receituário contra os maus costumes da reunite, DO avança com 12 mandamentos,
muitos deles com um salpico de humor e um toque de enfado: “6.Qualquer
intervenção redundante deve ser interrompida; 8. Reuniões
sem ordem de trabalhos devem ser banidas; 11. Quem vá para uma
reunião sem propostas concretas deve ser impedido de intervir nas
reuniões seguintes e quem dirige uma reunião sem a ter
preparado antes deve ser despromovido para a função de servir os cafés”.
E por aí vai.
Esta
enumeração termina com um desabafo perigoso: “A
verdade é esta: a esmagadora maioria das pessoas não sabe reunir. E não
sabe reunir porque não sabe falar. E quem não sabe falar não sabe estruturar
uma ideia.” E é aqui que o humor encontra a fronteira perigosa do elitismo,
que é sempre um reaccionarismo, seja à esquerda ou à direita. Pois não se reúne
apenas quem já sabe falar ou pensar, as pessoas reúnem-se precisamente para
aprender a pensar e a falar em conjunto. Vejam o exemplo retratado no Torre
Bela, as reuniões são caóticas, as vozes sobrepõem-se num emaranhado de
pensamentos, beiram a agressão, parecem estagnar na falta das palavras e no excesso
da emoção, mas elas existem e avançam com a vontade de quem fala da sua vida,
da sua existência e das suas convicções. A diferença existe até no silêncio da
sala. O mesmo acontecerá em qualquer reunião num bairro social, numa assembleia
popular ou numa freguesia que vê o seu centro de saúde fechado. É uma questão
de classe, e nessa diferença apontar a desestruturação do pensamento é desistir
da política enquanto movimento vivo e chamar a uns quantos o poder, é dar a uns,
e apenas a esses, a última palavra.
Perceber
o tanto de vida que há em uma reunião política é, em última instância, o
sentido de uma direcção política. E para tal é preciso ouvir, aceitar a
dificuldade e os minutos que passam, olhar bem o rosto de quem se cala ou se
entusiasma. Entrar numa reunião é, pois, senão, viver.