O mais recente e fantástico caso do
ministro Miguel Relvas dá para um manancial de discussões. Da ética do
servente público, ao paroquialismo personalista do favorecimento
institucionalizado, passando pela dualidade de classe do rigor
institucional, as abordagens e as ilações possíveis são multiplicáveis
por N, tal é a fertilidade da matéria em causa.
Há um enfoque, que para lá dos holofotes
mediáticos, é merecedor de atenção e que deveria inundar de debate o
espaço público, afinal qual é o papel do ensino superior privado
português? É facilmente apreensível que sumariar a experiência da sua cogumelização
seja um incómodo enorme, pois se a história é generosa economicamente,
social e eticamente tem recheado o país de guiões de telenovelas
trágicas. Neste sentido, o caso Relvas é apenas mais uma página numa
curta e volumosa narrativa.
Entre os meados dos anos 80 e os inícios de
90, cerca de metade dos estudantes finalistas do secundário não
encontravam vagas nas instituições de ensino superior públicas. A
resposta do então governo de Cavaco Silva, para acudir esta necessidade
de absorção de estudantes na rede de ensino superior português, incidiu
numa estratégia de garantia de um novo espaço de rentabilidade para o
capital português, que procurasse responder às carências do país.
Os fatores não podiam ser mais favoráveis. O
país encetava a sua modernização conservadora, o poder de consumo
aumentava e a entrada na CEE, e com ela os fundos europeus, iam
permitindo a recuperação da economia portuguesa, após a dura intervenção
do FMI. A opção foi clara, chegou a altura e o momento para arrancar
com a mercantilização em massa do ensino superior. Criaram-se as
condições legais e estruturais para a abertura em série de instituições
de ensino superior particulares, que passaram a supletivas e
concorrentes do ensino público. É de referir que 40% dos jovens, entre
os 18-24, estavam no ensino superior, tendo-se registado nesta época a
maior lotação de sempre deste espaço académico. O que dá para imaginar a
velocidade com que os inúmeros agentes privados recuperaram o
investimento.
Desta enunciação há duas conclusões
lapidares a reter no imediato. O não alargamento da rede pública foi uma
decisão política clara para dar espaço ao negócio, num sistema
marcadamente estatal. A opção governativa liberal foi a da massificação
do ensino com recurso ao privado e não o da democratização através da
universalização da oferta pública.
Por outra via, qualquer privatização do ensino superior e a póstuma reelitização generalizada
– o regime de abril permitiu pela primeira vez o interclassismo
académico na história do país – do espaço académico nunca seria possível
com a institucionalização da concorrência privada. O aumento das
propinas e a guerra contra os supostos privilegiados do ensino público,
nunca seria possível com uma alargada oferta pública que absorvesse a
ambição de estudos superiores presente no país, conjugado com condições
excecionais de suporte dos estudos por parte das famílias portuguesas.
Do que também se tratou foi da quebra da hegemonia do domínio do serviço
público e da abertura de divisões sociais entre os que conseguiam
aceder ao público e aos que teriam que ir para o ensino privado,
suportando com isto, custos infamemente superiores. Não é de estranhar
que a história do movimento estudantil não reze da mobilização dos
estudantes do privado. Em jeito de reparo, para lá da tradição de luta e
de resistência dos estudantes gregos, ainda hoje é proibido o ensino
superior privado no país, quando assim deixar de o ser, a divisão deste
estrato social e das suas inúmeras subjetividades e ramificações sociais
também será maior.
De um outro prisma, se olharmos como a
elite portuguesa sempre usou a academia privada portuguesa para seu
próprio usufruto, encontramos diversas linhas mestras que merecem ser
seguidas. Num país onde o poder se manifesta colossalmente pelo
simbolismo envolto do individuo, o título académico é um passaporte
desbloqueador para outras romagens mais ambiciosas.
O caso José Sócrates/Independente e o
Miguel Relvas/Lusófona são ilustrativos de formas muito originais e
criativas de obtenção de diplomas (para ser contido na apreciação).
Creio que isso seja o mais consensual que se possa afirmar sobre o
assunto, no entanto, levam-nos a um outro campo, se um aristocrata
inglês não se pinta sem cartola e charuto, um ministro musculado ou um
primeiro-ministro dos partidos do regime não se fazem sem uma sigla
superior ao Sr. à porta do nome. Isso é claro, se pelo meio houver um
atalho, na conservadora universidade pública dificilmente se o faz, mas
no privado arranja-se sempre alguma coisa. Está longe de ser um fenómeno
massificado, mas a história por fazer neste campo, aliado aos outros
saborosos episódios já públicos, comprovam esta tese para lá dos
notáveis exemplos referidos. Fica assim a ideia que determinados setores
da universidade privada são também um balcão de certificação para um
pequeno grupo de influentes (não querendo de longe perpassar a ideia que
os imensos jovens que são obrigados a frequentar o privado por escassez
da oferta pública, terminem os seus estudos de forma semelhante, pois
não é assim de todo!).
Por outro lado, tornou-se um biótopo de
negociatas de elevado gabarito, é de relembrar que a Independente é
encerrada por ordem ministerial, com o Ministério Público a acusar 26
arguidos por crimes de
associação criminosa, fraude fiscal qualificada, abuso de confiança
qualificada, falsificação de documento, burla qualificada, corrupção
ativa/passiva e branqueamento de capitais, entre outros ilícitos (1),
e a Moderna por casos muito semelhantes envolvendo diversas
personalidades do poder governativo, entre elas o atual Ministro dos
Negócios Estrangeiros, Paulo Portas (2). Ao que se lhe podem somar
outros casos como a Internacional (3).
Em suma, a história do papel do ensino
superior privado português ainda está por se fazer, fica o rascunho do
seu caráter de classe, de espaço de conluio e promiscuidade e do seu
papel de antítese à universalidade.
Referências
Publicado originalmente em www.acomuna.net
são só ares de relvas
ResponderEliminara maior parte das relvas laicas e repubicana's são invisíveis mesmo quando chegam a grandes
e essa é tã anãnita