27 de setembro de 2010

A praxe como fonte de alienação


Dois mundos antagónicos entram em confronto mal entramos em qualquer estabelecimento do ensino superior português: de um lado, o futuro, as pessoas em cujas mãos se encontra o futuro da ciência e de quem se espera uma força interventiva nos problemas sociais; do outro, o passado, a tradição medieval, o hábito que de forma tão nua faz lembrar os tempos cruéis do feudalismo. De um lado, a ideia errónea de que as instituições de ensino são palco privilegiado de democracia. Do outro, a pintura negra e cadavérica que tão facilmente nos mostra quem deve mandar e quem deve obedecer.

Entrar neste jogo de poder implica abdicar da própria personalidade. Implica a submissão cega a alguém que, por razão nenhuma, terá a legitimidade de ordenar. Os perigos da atribuição de poder às cegas, baseando-se simplesmente num número de matrículas que nada diz a nível ideológico, que nada mostra acerca de pretensas capacidades dirigistas, são ignorados. Os perigos desta atribuição irreflectida são enormes. As consequências, catastróficas. O resultado é, como jamais poderia deixar de ser, um esvaziamento ideológico e a contraposição entre conhecimento, que devia ser gerado nas instituições de ensino, e ignorância, que tantas vezes é apregoada por trajad@s e obedientes.

A praxe não é integração. Está finalmente na hora – passa até da hora limite – de dizermos não a esta prática hedionda. E está na hora de deixarmos de fechar os olhos a esta prática horripilante que peca pela crueldade e pela hierarquia bárbara que apresenta. Actuando, muitas vezes, sob o rosto inofensivo da tradição estudantil, a praxe tem servido para perpetuar um sistema em que há grandes e pequen@s, exploradores/as e explorad@s. Dentro deste panorama ideológico, observamos ainda a perpetuação do machismo e da homofobia nas várias instituições em que a praxe ocorre.

A praxe reflecte, queiramos ou não, admitam ou não, o que de pior há na sociedade. A praxe, obedecendo a uma estúpida lógica de obediência cega, acaba inevitavelmente por explorar as fragilidades de toda a sociedade. As discriminações, ao invés do que devia acontecer nas escolas, que deviam ser espaço de aceitação, democracia e igualdade, crescem e são expostas cruamente. E até aquelas pessoas que, no seu íntimo, têm alguma noção dos problemas do mundo e, de facto, os querem resolver, acabam a participar neste erróneo jogo de grupo que nada mais faz que enaltecer a sarjeta entre frac@s e fortes, tal é a capacidade de alienação desta pretensa brincadeira colectiva. Assim, o machismo impera - e fá-lo da forma mais vil. O machismo impera através de canções, de gestos, de posições. O machismo impera através de todo um grupo, composto por homens e mulheres, que pretende enaltecer uma pretensa superioridade do homem em relação à mulher. O machismo impera em cada palavrão, em cada gesto, em cada rima. E não, não é uma brincadeira. É simplesmente o que acontece quando um grupo tem poder, quando outro deve ser obediente. É a exploração, tão estupidamente feita, do que devia ser entendido. O machismo impera porque a praxe funciona como muro que divide o mundo - em oposição ao mundo real e aos problemas reais da divisão de classes - em géneros, como se essa fosse a questão principal. Como se fosse, aliás, uma divisão real. E é esta incompreensão de que o mundo não está dividido entre homens e mulheres que nos mostra a praxe em todo o seu esplendor, que nos mostra a praxe em toda a sua crua estupidez. Com o machismo, acabará por vir, claro está, e impossível seria que tal não acontecesse, a homofobia. E aqui vemos a homofobia no seu expoente máximo, no seu estado mais degradante. Seja na típica forma de machismo obtuso e execrável que nos diz que o típico homem machão tem e viola as mulheres que quiser, seja simplesmente no insulto fácil e tão revelador de fracas capacidades intelectuais.

Porque a praxe se apresenta com centenas de participantes, sob uma máscara falsa de pretensão de integração, a adesão é e será forte enquanto não houver alternativa e enquanto este assunto não for levado à discussão pública. Muito fácil é levar estudantes a participar nela assim que entram num mundo novo, num mundo que, por desconhecido ser, pode assustar. Resta-nos, por isso, construir a alternativa e desmistificar a ideia de que a praxe é a integração suprema e de que, sem a praxe, @s estudantes não serão integrados no meio estudantil.

A praxe não deve jamais ser vista como modo de integração, porque a praxe não integra. Não devemos jamais cair na ilusão de que uma actividade cuja clivagem entre grandes e pequen@s é deste modo colossal poderá integrar. Sem o símbolo da igualdade, sem a relação de igual para igual, a praxe não será jamais uma ferramenta de integração. Não devemos deixar que a correlação entre @s estudantes se baseie no número de matrículas que têm na instituição de ensino superior que frequentem. E muito menos devemos deixar que um grupo mande de forma crua e cruel só porque é a tradição.

Há uma alternativa. Uma alternativa que passa por deixar que a integração suceda sem lama, sem insultos, sem machismos, sem homofobias, sem lágrimas e sem humilhações. Uma alternativa em que @s estudantes do primeiro ano são estudantes do primeiro ano e não caloir@s. Uma alternativa em que @s estudantes com três ou mais matrículas são estudantes com três ou mais matrículas e não doutorad@s ou engenheir@s. Uma alternativa que opta por dar o universo estudantil às e aos estudantes da forma que lhes é devida.

Para que esta alternativa se torne na medida corrente, devemos entender a importância desmesurada desta luta, porque esta é a luta contra os excessos, contra as desigualdades, contra as humilhações, contra os abusos de poder. Esta é a luta que passa também pelas lutas pela igualdade de género e pela liberdade sexual.

Com uma presença forte do símbolo anti-repressão e anti-totalitarismo, menos estudantes se sentirão na obrigação colectiva de participar nesta tradição asquerosa e de carácter quase fascista. Em conjunto, devemos mostrar que há uma voz que diz que tod@s somos iguais. Em conjunto, devemos, em relevo e a cores, dar vida à alternativa que queremos, alternativa essa que pugna pela igualdade e que rejeita e despreza qualquer tentativa de subordinação de populações alienadas.

Não podemos deixar que sejam as escolas os palcos de toda esta vileza. Não podemos deixar que sejam as escolas, espaços que deviam ser palcos privilegiados de aprendizagem, respeito e democracia, os locais em que se assiste, de forma tão desmesurada, à diferença entre grandes e pequen@s. E muito menos devemos deixar passar em claro este sistema que é, afinal, cheio de ideologia. E devemos lembrar-nos sempre de que deixar que os valores da praxe passem para a sociedade extra-escola nos levará a um mundo em que não haverá respeito, democracia ou igualdade. Estes três últimos devem ser sempre a luta da qual não podemos desistir. E teremos de saber que o socialismo também se faz aqui. Como, aliás, em todo o lado.

Não devemos cair no erro de ter um concepção meramente metafísica ou meramente dialéctica do mundo. Este é um dos casos em que teoria e prática tão magistralmente se casam. A praxe está cheia de ideologia e cabe-nos vencê-la. Vencer estas práticas de submissão, vencer este meio de discriminação. Cabe-nos agir. Agir sempre e na consciência de que @ verdadeir@ revolucionári@ se rege por ambos, por teoria e prática, por muito estudo, por muita força. Esta pujança e este ideal deverão estar nas lutas que tão fenomenalmente almejamos vencer.



Publicado em http://braga.bloco.org/index.php?option=com_content&task=view&id=975&Itemid=1

10 comentários:

  1. como forma de estupidificação

    são poucos os que são alienados

    até barbaramente o aceitam como rito de passagem

    inda hoje duas vinham pintadas no comboio muito felizes a falarem sobre o que iam fazer aos caloiros para o ano

    o M.A.T.A nunca teve muita expressão

    sua bárbara e o texto é muito muito longo

    falta poder de síntese

    ou sofres de cacoethes scribendi

    .. If all the trees in all the woods were men; And each and every blade of grass a pen

    nã deves ser de sciências ó bárbara bárbara

    lamento até pode ser muito muito

    mas falha o objectivo de ser objectivo

    a imagem diz mais do que o texto

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  2. O texto perde pelo exagero, pela(s)deduções irreais e um absurdo maniqueísmo.

    "Com o machismo, acabará por vir, claro está, e impossível seria que tal não acontecesse, a homofobia. E aqui vemos a homofobia no seu expoente máximo, no seu estado mais degradante. Seja na típica forma de machismo obtuso e execrável que nos diz que o típico homem machão tem e viola as mulheres que quiser, seja simplesmente no insulto fácil e tão revelador de fracas capacidades intelectuais."

    Há quem participe e veja a praxe como uma simples brincadeira não a comparando ao conflito israelo/palestiniano.

    Há muitas lésbicas praxistas.

    O mundo não é a branco ou preto. E o arco - iris?

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  3. "Há muitas lésbicas praxistas"
    Pois, também havia muitos negros sul-africanos que defendiam o apartheid. Por isso é que Steve Biko afirmou que a maior arma do opressor é a mente do oprimido.
    "O mundo não é a branco ou preto"
    Pois não. Para os praxistas é só preto, para quem recusa a praxe tem todas as cores. Aí está a diferença.
    Bom texto, AB!

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  4. jose manuel faria, as consequencias dessa "simples brincadeira" sao todas as discriminaçoes que expus no texto e sao o espraiar de uma ideologia fascista. de modo algum, uma pessoa de esquerda se deve calar perante uma tradiçao que, por razao nenhuma, da poder a pessoas aleatorias. a pressao e' grande, os abusos tambem. inegavel. 2 minutos numa universidade qualquer e esta' visto.
    ha muitas lesbicas praxistas. facto. e muitas mulheres praxistas. facto. que eu saiba, a orientaçao sexual e o genero nunca impediram a homofobia ou o machismo. ainda ha uns dias me forcei a ficar sentada a ver a praxe la' na minha escola e vi uma miuda a mandar o pessoal do primeiro ano fazer coisas de um machismo execravel.

    com praxe nao ha democracia. temos de questionar e nao calar e aceitar. isso foi ja feito durante muito tempo. pensar a esquerda e pensar o arrastao do panorama politico nacional para a esquerda passa por uma luta que exige, em simultaneo, dialectica e metafisica.

    ricardinho, adorei o teu "para quem recusa a praxe tem todas as cores." ;)

    cumprimentos,

    ana barbara

    (estou sem acentos)

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  5. nota-se o espraiar da ideologia fascista na tua prosa

    censuras a azul ou a vermelho????

    para o caso tanto faz

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  6. vou simplesmente concluir que o aiden mckenna nao sabe o que o fascismo e' e ficamos por aqui :) isso foi simplesmente parvo. perdoem-me a falta de erudiçao.

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  7. Isto é simples. Ninguém é obrigado a andar na praxe e isso é um facto que ninguém repara. Como também passa despercebido o facto de só verem o lado aparente negativo e nunca o positivo. Nunca podem falar de coisas que não experienciaram. Não falem de coisas que não sabem, e não falem de coisas que pessoas como vocês nunca iriam compreender. Vocês, pessoas com ideologias muito boas, que querem que o mundo seja cor-de-rosa com bolinhas amarelas, que o facto de um simples mosquito vos ferrar ficam horas a chorar, querem que toda a gente seja assim. Eu não sou assim e a praxe não é assim. O mundo não é cor-de-rosa e o mundo não é como nós queremos e a praxe ensina isso. Nós não somos os intocáveis, nós não somos invencíveis e nós não temos tudo o que queremos. A praxe integra de tal maneira que nós somos capazes de dar muita parte do nosso tempo para ajudar um colega, valores esses que a sociedade tende a perder e que vocês que nunca experienciaram a praxe não iram conhecer.
    “Dura praxis sed praxis” -> a praxe é dura, mas é praxe.
    Esta frase diz tudo o que a praxe é.

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  8. Ver este texto deixou o meu cérebro confuso. Podia começar por criticar 30 mil pontos neste texto mas vou referir so alguns que me fazem doer a alma ao ler.

    1º Ponto
    A praxe não é obrigatória. Não era de censurar se fosse criado um club de pessoas que gostam de se aleijar por exemplo, existe um grupo de praxe que é criado e que só vai simples e puramente quem quer ir e ninguém se devia de achar superior ao ponto de achar que pode criticar uma coisas facultativa.

    2 ponto
    A partir do momento em que de plena consciência achamos que queremos participar naquele, chamemos-lhe grupo, de pessoas que tem aquelas tradições a que é denominado praxe estamos sujeitos as regras que nos são impostas para nele participar.

    3 ponto
    Quem nao quiser estar la sai a qualquer momento e tenta criar o seu grupo se assim o quiser mas eu passei pela praxe e adorei andar la. conheci muito boa gente e nunca houve qualquer tipo de sexualidade em toda a praxe.

    Tenho dito.

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