De acordo com o Der Spiegel (1), o grupo Ferrostaal está sob suspeita de ter pago a um cônsul honorário de Portugal para favorecer o negócio da compra dos 2 submarinos, em 2004, pelo Governo Português (Governo PSD-CDS/PP, liderado por Durão Barroso e com Paulo Portas como Ministro da Defesa e Assuntos do Mar).
A recepção de remunerações pelo favorecimento de encontros para negócios de privados com o Estado é incompatível com a função diplomática. Os diplomatas são representantes dos interesses do Estado e receber dinheiro de um privado, mesmo que apenas por favorecer encontros, é no mínimo impróprio. Dentro de uma perspectiva mais maquiavelista, é dada preferência a que essas remunerações sejam legais e públicas, dentro dum estatuto de lobbying – também é um debate interessante... Mas no caso da diplomacia, tanto quanto sei, ainda não chegámos (pelo menos oficialmente) a isso.
Considero que as regras que se aplicam à diplomacia em geral se aplicam também aos cônsules honorários. É certo que, na generalidade dos casos, a sua função é simplesmente: prestar, “segundo as orientações do titular do posto consular de carreira de que dependem, a assistência necessária e possível às pessoas singulares e colectivas portuguesas no estrangeiro, nos termos das leis nacionais e estrangeiras em vigor e de acordo com o direito internacional, designadamente em matéria de prestação de apoio a portugueses em dificuldades e de socorros no caso de sinistro, catástrofe natural ou de graves perturbações de ordem civil”(2). Apesar dessa limitação, não deixam de ser representantes de um Estado. E agir em nome de interesses privados subalternizando os interesses públicos é contrário à função que ocupam.
Alegadamente, o Cônsul honorário terá não apenas favorecido encontros, como feito pressão para a realização do negócio. As autoridades alemãs suspeitam mesmo de suborno (no valor de 1,6 milhões de euros). O Cônsul honorário de Portugal em Munique, Jurgen Adolff foi entretanto suspenso das suas funções pelo Governo Português. Já a empresa alemã que vendeu os dois submarinos, embora confirme ter sido alvo de buscas, garante não ser suspeita de corrupção nesta investigação criminal (3). Durão Barroso, actualmente Presidente da Comissão Europeia, confirmou conhecer o Cônsul, mas nega ter intervindo directa ou pessoalmente neste assunto (4).
Estas suspeitas não são de hoje e cruzam interesses empresariais com interesses partidários (5). Apesar da gravidade do assunto, cujos contornos,a confirmarem-se, lamentavelmente não me surpreendem; apesar disso, prefiro aguardar pelos resultados judiciais. O cruzamento dos interesses empresariais com as lideranças políticas dos partidos do centrão e da direita não são para mim novidade, especialmente em relação à indústria de armamento – mas não tenho elementos nem competência para julgar o caso concreto.
Interessa-me mais, a este propósito, que sejam apuradas as responsabilidades políticas neste tipo de negócios. No sentido em que me interessa especialmente o facto de ser esbanjado dinheiro público em material inútil e, pior que isso, que nem mesmo as contrapartidas que decorrem dos contratos de compra de equipamento militar sejam cumpridas a um grau minimamente decente.
Há quem esteja a fazer negócios ruinosos com os dinheiros públicos e com a propriedade pública. Será por haver agentes públicos ao serviço oficioso de interesses privados da finança, da construção e até da indústria de guerra? Ou será por incompetência? Em ambos os casos, a porta de saída para esses agentes que não estão verdadeiramente ao serviço do interesse público deve ser a mesma.
Notas:
1) Der Spiegel, http://www.spiegel.de/international/business/0,1518,686513,00.html
2) Podendo contudo ser-lhes delegadas funções nos actos de Registo Civil e de Notariado, nos actos de Recenseamento Eleitoral e na emissão de Documentos de Viagem. Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, http://www.secomunidades.pt/web/guest/cons_honorarios
3) «Submarinos: Ferrostaal garante não ser alvo da suspeita», Expresso, http://aeiou.expresso.pt/submarinos-ferrostaal-garante-nao-ser-alvo-da-suspeita=f574011
4) «Durão Barroso nega intervenção no caso dos submarinos», Expresso, http://aeiou.expresso.pt/durao-barroso-nega-intervencao-no-caso-dos-submarinos=f574031
5) «Inquérito ao caso dos submarinos», Área Militar - Recortes de imprensa,
http://www.areamilitar.net/imprensa/imprensa.aspx?nrnot=339