31 de março de 2010

O Submarino Barracada


De acordo com o Der Spiegel (1), o grupo Ferrostaal está sob suspeita de ter pago a um cônsul honorário de Portugal para favorecer o negócio da compra dos 2 submarinos, em 2004, pelo Governo Português (Governo PSD-CDS/PP, liderado por Durão Barroso e com Paulo Portas como Ministro da Defesa e Assuntos do Mar).

A recepção de remunerações pelo favorecimento de encontros para negócios de privados com o Estado é incompatível com a função diplomática. Os diplomatas são representantes dos interesses do Estado e receber dinheiro de um privado, mesmo que apenas por favorecer encontros, é no mínimo impróprio. Dentro de uma perspectiva mais maquiavelista, é dada preferência a que essas remunerações sejam legais e públicas, dentro dum estatuto de lobbying – também é um debate interessante... Mas no caso da diplomacia, tanto quanto sei, ainda não chegámos (pelo menos oficialmente) a isso.

Considero que as regras que se aplicam à diplomacia em geral se aplicam também aos cônsules honorários. É certo que, na generalidade dos casos, a sua função é simplesmente: prestar, “segundo as orientações do titular do posto consular de carreira de que dependem, a assistência necessária e possível às pessoas singulares e colectivas portuguesas no estrangeiro, nos termos das leis nacionais e estrangeiras em vigor e de acordo com o direito internacional, designadamente em matéria de prestação de apoio a portugueses em dificuldades e de socorros no caso de sinistro, catástrofe natural ou de graves perturbações de ordem civil”(2). Apesar dessa limitação, não deixam de ser representantes de um Estado. E agir em nome de interesses privados subalternizando os interesses públicos é contrário à função que ocupam.

Alegadamente, o Cônsul honorário terá não apenas favorecido encontros, como feito pressão para a realização do negócio. As autoridades alemãs suspeitam mesmo de suborno (no valor de 1,6 milhões de euros). O Cônsul honorário de Portugal em Munique, Jurgen Adolff foi entretanto suspenso das suas funções pelo Governo Português. Já a empresa alemã que vendeu os dois submarinos, embora confirme ter sido alvo de buscas, garante não ser suspeita de corrupção nesta investigação criminal (3). Durão Barroso, actualmente Presidente da Comissão Europeia, confirmou conhecer o Cônsul, mas nega ter intervindo directa ou pessoalmente neste assunto (4).

Estas suspeitas não são de hoje e cruzam interesses empresariais com interesses partidários (5). Apesar da gravidade do assunto, cujos contornos,a confirmarem-se, lamentavelmente não me surpreendem; apesar disso, prefiro aguardar pelos resultados judiciais. O cruzamento dos interesses empresariais com as lideranças políticas dos partidos do centrão e da direita não são para mim novidade, especialmente em relação à indústria de armamento – mas não tenho elementos nem competência para julgar o caso concreto.

Interessa-me mais, a este propósito, que sejam apuradas as responsabilidades políticas neste tipo de negócios. No sentido em que me interessa especialmente o facto de ser esbanjado dinheiro público em material inútil e, pior que isso, que nem mesmo as contrapartidas que decorrem dos contratos de compra de equipamento militar sejam cumpridas a um grau minimamente decente.

Há quem esteja a fazer negócios ruinosos com os dinheiros públicos e com a propriedade pública. Será por haver agentes públicos ao serviço oficioso de interesses privados da finança, da construção e até da indústria de guerra? Ou será por incompetência? Em ambos os casos, a porta de saída para esses agentes que não estão verdadeiramente ao serviço do interesse público deve ser a mesma.

Notas:


1) Der Spiegel, http://www.spiegel.de/international/business/0,1518,686513,00.html


2) Podendo contudo ser-lhes delegadas funções nos actos de Registo Civil e de Notariado, nos actos de Recenseamento Eleitoral e na emissão de Documentos de Viagem. Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, http://www.secomunidades.pt/web/guest/cons_honorarios

3) «Submarinos: Ferrostaal garante não ser alvo da suspeita», Expresso, http://aeiou.expresso.pt/submarinos-ferrostaal-garante-nao-ser-alvo-da-suspeita=f574011

4) «Durão Barroso nega intervenção no caso dos submarinos», Expresso, http://aeiou.expresso.pt/durao-barroso-nega-intervencao-no-caso-dos-submarinos=f574031

5) «Inquérito ao caso dos submarinos», Área Militar - Recortes de imprensa,
http://www.areamilitar.net/imprensa/imprensa.aspx?nrnot=339

30 de março de 2010

Estado do Ensino Superior

Na passada quarta-feira, dia do Estudante, várias centenas de estudantes do Ensino Superior saíram à rua. Vieram sobretudo de Lisboa, mas também de outras cidades do país para protestar contra o estado do Ensino Superior, pela segunda vez este ano. Vieram comemorar um dia que é de luta desde a crise académica de 1962 que abalou o regime. Na época os motivos para o protesto sob um regime repressivo eram inúmeros, actualmente também não são poucos.

Olhando para o estado do Ensino Superior Público em 2010 o panorama é desolador. Segundo um Estudo de Belmiro Cabrito da UL, desde a implementação da actual política de propinas já um terço dos estudantes mais pobres foi empurrado para o mercado de trabalho sem diploma, por não ter como pagar o valor cada vez mais exorbitante que nos pedem. Deturpações estatísticas do PS à parte, toda a gente sabe que estudar no Ensino Superior hoje é um fardo muito pesado para a maior parte das famílias.

A Acção Social Escolar, que poderia ser uma oportunidade para muitos, está completamente desfasada da realidade, com cálculos injustos, atrasos em média de 4 meses na entrega de bolsas, fecho de cantinas, de residências. Cerca de 70% dos estudantes que recebem a bolsa, é a mínima que só cobre o valor das propinas. Perante isto, o PS não atribuiu nem mais um cêntimo à ASE no Orçamento de Estado de 2010.

Apesar disto, o protesto de dia 24 de Março foi na prática convocado por apenas duas Associações de Estudantes (AE-ESAD e AE-FCUL). A Manifestação teve mais de 500 estudantes, muitos deles mobilizados por movimentos e colectivos de estudantes que lutam por outra Universidade. As grandes Académicas recusaram-se a participar no protesto, presas na gestão de pequenos problemas, com pequenas soluções, mas alimentando grandes ambições e gigantescos egos.

A necessidade de reconstruir o movimento estudantil em Portugal é cada vez mais urgente. Já chega de AEs que são ensaios do Bloco Central, que oferecem festas académicas e brindes mas que em reuniões com Mariano Gago pisam nos interesses dos estudantes. É urgente construir uma corrente estudantil de Esquerda que seja fortíssima, aberta e mobilizadora que seja capaz de organizar estudantes para transformar a sua realidade. É esta a nossa tarefa, construir uma alternativa tão envolvente, tão grande, tão combativa que transforme o Ensino Superior.
Continuemos o combate!

Ponto de partida

Começar com um “Adeus Lenine” é tarefa que soa dura. Bem o sentem aqueles para quem a imagem de Lenine, na idade tenra das descobertas em livros amarelecidos pelo tempo, desembocava sempre num passado recheado de convicção transformadora, capaz de conformar a impaciência numa espera ilusória pelo retorno das vitorias passadas. Não se trata aqui de negar esse passado ou tomar a via bacoca da personificação de uma luta que se sabe colectiva, e muito menos se trata de uma tentativa de parricídio político na busca pela emancipação. A maturidade política que alcançamos exige, hoje, muito mais do que isso. Saber que o fio da história não se estanca com idolatrias e glorificações é reconhecer que os caminhos tortuosos que percorremos até à acção presente não devem ser esquecidos.
Dizer adeus Lenine é, portanto, uma forma de partilhar com ele o nosso caminho. Gorki, seu amigo íntimo por tantos anos, declarou que “jamais soube de nenhum homem, em parte alguma, que detestasse, desprezasse e abominasse toda a infelicidade, dor e sofrimento tão profundamente, tão vigorosamente quanto Lenine” sendo essa negação da fatalidade do sofrimento humano que fermentou todo o seu percurso até a chegada obstinada, em 1917, à estação Finlândia. Poucos serão os casos na história em que a imagem de uma luta tenha sido usada de forma tão oposta aos seus princípios como no caso de Lenine, sendo essa a fronteira trágica que ultrapassaram os regimes soviéticos, onde a inteligência deu lugar obtusidade e a sagacidade à degeneração. Mas tudo isso já lá vai e, hoje, pensar Lenine é olhar alguém que viveu e transformou o seu tempo. A nossa transformação começa agora.

Adeus, Lenine!

“We know our country is not perfect. But what we believe in inspired a lot of people in the world. Maybe we have drifted off course from time to time. But we collected ourselves. Socialism doesn’t mean living behind a wall. Socialism means reaching out to others, and living with others. Not just dream about a better world, but make the world a better place. I have therefore decided to open the GDR borders.”

Sidmund Jähn como “ficcional” Presidente do Conselho de Estado da RDA
em Goodbye, Lenin! (Wolfgang Becker, 2002)

Somos doze. E somos de esquerda. Muitas e muitos de nós já passaram por outras experiências na blogosfera. Noutros casos, é a estreia por estas bandas. Umas e outros até acumulam "tachos blogosféricos", mas há também quem se dedique em exclusivo a este projecto. Somos de vários pontos do país: de Coimbra, do Porto, de Santarém, de Leiria, da Covilhã, de Braga e de Lisboa.

Temos em comum a certeza do pensamento crítico e trazemos connosco a ideia de que é preciso agitar a blogosfera, construir novos espaços em que se confrontem as muitas opiniões à esquerda. É na pluralidade de visões sobre a vida, a função social da escola, as relações de trabalho, a economia, as dinâmicas do capitalismo moderno, a própria (re)composição da esquerda, etc., que reside a robustez deste projecto. Partilhamos, acima de tudo, a convicção de que, à esquerda desta crise, há um caminho, uma saída, uma alternativa.

Por outro lado, acreditamos que a primeira medida da “secção dos jardins, cemitérios e crematórios” de um governo revolucionário deverá ser o enterro de Lenine. A segunda medida, parte fundamental da luta pela emancipação socialista, é a garantia de que se não lhe erguerá uma estátua em plena Praça Vermelha (nem tão-pouco no Marquês de Pombal, na Avenida dos Aliados ou no Castelo de Alvito). Por fim, terceira medida: não queimar os livros dele e sobre ele.

Dizemos "Adeus, Lenine!" mas também queremos dizer Adeus ao "estado a que isto chegou". Sabemos que não chegámos ao "Fim da História" e queremos Mudar o Futuro. Usaremos as nossa canetas afiadas para a correcção dos próximos capítulos.

We'll keep you posted!

Adriano Campos
Bruno de Góis
Daniel Fonseca
O Papa sou Eu (Fábio Salgado)
Joana Mortágua
João Curvêlo
João Nuno Mineiro
Mariana Mortágua
Nuno Moniz
Rita Martins
Rodrigo Rivera

(e juntaram-se as/os seguintes)
Ana Bárbara Pedrosa
Fabian Figueiredo
Francisco da Silva
Hugo Ferreira
Maria João Barbosa
Mariana Santos
Ricardo Sá-Ferreira
Sara Schuh
Vasco Dias