Independentemente dos contornos que discussão técnica possa tomar, parte do meu argumento prende-se justamente com o meu repúdio pela forma como os números têm sido utilizados para a construção de uma única ideia – a da inevitabilidade da austeridade. Assisto com tristeza, para além da apropriação criativa a variada de conceitos económicos para “cientificizar” verdades politicas, a uma absoluta contaminação do espaço público pelo pensamento único – debatem-se argumentos vários, mas apenas os que servem para justificar o corte salarial como parte dos inevitáveis sacrifícios para sair da crise. Sobre seriedade, manterei a discussão em post-sriptum.
Para além de procurar trazer pluralidade ao debate, a minha segunda preocupação foi, e continuará a ser, a de contrapor um diagnostico da situação portuguesa que considero errado, porque ignora os vários factores responsáveis pelo atraso estrutural e perda de competitividade do país. Certamente não serei detentora de todas a respostas, mas sei que quando o diagnóstico está viciado, as soluções são ineficientes.
Em primeiro lugar
É hoje claro, penso eu, que os problemas de competitividade da economia portuguesa não se prendem com o custo do trabalho mas com 1) uma integração europeia desequilibrada; 2) um enviesamento interno para os não transaccionáveis, em parte devido à estruturação dos grupos económicos em Portugal e modelos de privatizações; 3) uma estratégia neomercailista Alemã, de compressão de salários internos, que pressiona o resto da UE; 4) outros factores – preço da energia, sistema de justiça, entre outros. Como bem explicava Alexandre Abreu neste post, no limite, o problema de competitividade da economia portuguesa está na remuneração do capital, que tem vivido acima da suas possibilidades.
Perante este cenário, centrar o discurso na redução dos custo unitários do trabalho com o objectivo de reduzir os salários (que poderá eventualmente até empolar a competitividade de curtíssimo prazo), é ignorar a essência do problema. Pelo contrário, aprofundá-lo-á porque nos torna uma país mais pobre. E esta análise – sobre os salários - não é só minha, é partilhada por vários economistas e personalidades tão insuspeitas como Maria João Rodrigues ou João Ferreira do Amaral.
Quanto aos “outros factores”, discordo profundamente da ideia de que possam derivar unicamente de obstáculos corporativos e da escassa concorrência. Se nos “obstáculos corporativos” estiver a incluir a nossa elite de banqueiros então a nossa discordância diminuirá. O argumento da concorrência, sem mais, parece-me apenas uma justificação rápida para a privatização de sectores essenciais para o desenvolvimento do nosso sector produtivo, que em nada garante mais eficiência ou melhor prestação de serviços.
Em segundo lugar
Não pretendi no meu anterior post, e estou certa que não o fiz, debater com pormenor o modelo de crescimento (ou não) Alemão. Clarificar apenas que a Alemanha cresceu à custa das exportações, estagnando a sua procura interna por via da compressão salarial. Não lhe valeu uma grande taxa de crescimento, como se pode ver, e certamente não é modelo replicável em todo o lado, porque se todos exportássemos como a Alemanha não haveria ninguém para importar.
É sempre possível crescer artificialmente comprimindo os salários, mas foi exactamente esse tipo de estratégias anti-social que a esquerda rejeitou durante as ultimas décadas.
Em terceiro lugar
A União Monetária Europeia, e a própria União Europeia, assumem um papel crucial neste debate. Não só pelas desvantagens criadas às moedas mais fracas no momento da sua criação, como também pela sua configuração institucional de características profundamente antidemocráticas, da Comissão Europeia ao BCE passando pelo tribunal constitucional, que favorece o capital financeiro em detrimento do crescimento sustentável das economias e do bem estar dos seus cidadãos.
E se, sem sobra para dúvidas, “a entrada sobrevalorizada do escudo no euro foi uma das ultimas prendas que a política económica do hoje presidente Cavaco Silva deixou ao país”, a verdade é que o desenho institucional da UE, ao qual reconhecemos variados defeitos, pertence aos partidos socialistas por essa europa fora, e também ao português.
Lamento que os preconceitos relativamente à minha possível filiação política possam ter deturpado a sua análise relativamente aos meus argumentos, porque o que defendo não é, muito claramente, a saída do euro, ou "terceira via", como lhe chama. (e o termo não me ofende de todo, nutro por ele a simpatia intelectual até).
Uma saída na União Europeia neste momento não beneficiaria de modo nenhum os trabalhadores em Portugal, pelo contrário. Sempre defendi que seria desastroso fazê-lo, até ao momento em que os custos da nossa manutenção superem aqueles de uma eventual saída. Não penso que esse momento tenha chegado.
Porque atribuo à configuração institucional europeia uma grande responsabilidade nos desígnios nacionais, acredito na reestruturação das suas instituições, da Comissão ao Banco Central. Mais democracia, uma integração mais completa, um maior orçamento comunitário, um Banco Central focado no crescimento e não na inflação. Mas isto daria só por si várias páginas.
A nacionalização de toda a economia é um disparate, não posso acrescentar mais nada em relação a isso.
Em quarto lugar
Não tenho preconceitos em relação a debates que se centram nos diagnósticos, são necessários. Tão pouco tenho pressa em apresentar um pote de certezas, soluções milagrosas para o país. “o lado negativo da dialética”, quando bem aprofundado, levar-nos-á às alternativas.
Não me quero estender. Para sair do atoleiro é preciso, urgentemente, rejeitar a austeridade. Estou convicta disso. É urgente aplicar profundas reformas a nível europeu. Em Portugal há muito a fazer, a começar por uma reforma fiscal a sério, que promova a justiça e não sobrecarregue insistentemente o trabalho em detrimento do capital. É necessário ter política industrial, no seu verdadeiro sentido, investimento publico em sectores chave da economia. Impõe-se renovar um sector agrícola e piscatório em decadência, em parte por imposições europeias, responsáveis por parte da nossa dependência externa. Impõe-se um Banco Publico, é claro, que sirva os interesses do país, e possa financiar a actividade produtiva a preços controlados, fora das lógicas especulativas.
E mais, muito mais. A relação do Estado com a Economia, defendo uma é certo, mas não esta, a das PPP, dos contratos ruinosos e troca de favores. A nível internacional, outras tantas – sector financeiro, para começar.
Poderíamos facilmente ter um longo debate sobre cada uma destas propostas, mas elas só nos aparecem como prioritárias, e são, quando deixamos para trás o diagnostico facilitista, e errado, que coloca os custos unitários do trabalho no centro do problema.
p.s. Não encontro qualquer problema em retirar alguma ofensa que possa ter considerado de cariz pessoal, não foi com certeza essa a intenção. Estava na verdade a falar na falta de seriedade de todo um discurso construído de forma a ocultar propositadamente (ou talvez por desconhecimento?) um conjunto de informações relevantes para o debate, nomeadamente a falácia dos custos unitários do trabalho. Mas tão pouco me parece de grande delicadeza colocar nos meus dedos ideias que não me pertencem – não defendo, nunca defendi, a saída do euro e muito menos a nacionalização de toda a economia – numa tentativa de descredibilização pela colagem ao estereótipo de uma qualquer esquerda mais radical.
A titulo de informação, o Bloco de Esquerda não defende a saída do Euro, muito pelo contrário. E não defende a nacionalização de toda a economia. Estou certa que o Paulo Pedroso conhecerá melhor que isso as ideias do BE, caso contrário aconselho a leitura do manifesto, documento de interesse. Em qualquer dos casos não falo pelo BE, tal como não espero que fale pelo PS, e por isso mantive o partido socialista fora do meu primeiro post.
(resposta a este artigo de Paulo Pedroso)
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