8 de fevereiro de 2011

Carta a José Sócrates de André Moreira

Excelentíssimo Primeiro Ministro,

O meu nome é André Moreira, mas poderia ser João, Maria, Ricardo ou Ana.

Sei que provavelmente nem será o senhor a ler este email, provavelmente até ninguém o lerá, no entanto sempre me ensinaram a não desistir.

Escrevo-lhe porque nesta tarde de dia sete de Fevereiro deveria estar a estudar matemática (tenho teste amanhã), mas não estou. Não estou porque o senhor me obrigou. Obrigou-me a questionar a razão pela qual estudo. Obrigou-me a esta submissão filosófica. Perceberá tudo mais à frente.

Porventura o telefone está a tocar, porventura tem uma grande reunião daqui a cinco minutos, porventura este email apenas conheceu o lixo da sua caixa de entrada…

Sou estudante como já deve ter percebido, tenho 16 anos e frequento o 11º ano numa escola pública da localidade de Paredes, uma escola igual a muitas outras. Igual em todos os defeitos que o senhor permitiu que se estruturassem, dentro de um ensino que deveria ser de todos e para todos. No entanto a Escola Secundária de Paredes é diferente em alguns aspectos, é principalmente diferente no que toca às qualidades e virtudes, isto porque existe toda uma comunidade escolar interessada em todos aqueles assuntos que não lhes dizem respeito.

É este o meu mundo, gosto de ler, de escrever, gosto essencialmente de aprender. Você entrou nele a partir do momento em que foi eleito Primeiro Ministro. Sou sincero, não lhe dei muita importância, mas aos poucos fui conhecendo aquele que viria a ser um dos homens mais importantes da minha vida, você. Foi por sua culpa que descobri algo que realmente me fascina, a política, foi por sua culpa que me interessei por este novo mundo, que se diz para maiores de 18…

Hoje olho para trás e percebo que viria a ser político de qualquer forma, como acredito que qualquer pessoa o é, o senhor apenas apressou este processo. Apenas conseguiu que eu fosse politicamente prematuro, oxalá não o tivesse sido.

Era sinal de que tudo estava diferente. Era sinal, e só por ser sinal já era bom, hoje procuro todos os sinais e não encontro nada.

Hoje já não sonho, percebi a capacidade ilegítima que você tem de brincar com a minha vida. Hoje não tenho presente nem futuro, dizem que foi hipotecado. Hoje sobrevivo e não sei muito bem porquê; se tudo o que eu queria era ser licenciado e entrar no mercado de trabalho, hoje não quero nada. Não quero nada porque tirar um curso implica ser rico, implica ter aquilo que muitos não têm; e entrar para o mercado de trabalho, significa entrar para um mundo precário totalmente à parte, onde se desafiam os direitos humanos, num mundo em que entramos como objectos e simplesmente não saímos.

Sim sou dessa Geração, sem remuneração, do vou queixar-me para que, do casinha dos pais, do já não posso mais, sim sou dessa geração em que para ser escravo é preciso estudar.

E é esta a minha pergunta, é este o meu enorme ponto de interrogação.

Se hoje não tenho presente, nem futuro garantido, se hoje sou mais uma peça num jogo de grandes senhores, porque estudo? Para ser escravo? Para ser menos escravo do que seria se não estudasse?

É esse o patamar máximo de “dignidade” que o estado me pode oferecer?

O meu nome é André, mas como já referi podia ser João, Maria, Ricardo ou Ana; tenho 16 anos mas podia ter 15, 14, 20 ou 25; sou da geração do seu filho, que quando não tiver o pai no poder será um André como eu. Vivo num país chamado Portugal, que é a terra da instabilidade, da escassez, da insegurança, da incerteza, da fragilidade, da debilidade… Os meus pais são funcionários públicos e eu sou filho da precariedade, e para além disso sou também seu “filho”, filho do seu sistema, da sua política.

Certamente não terá tempo para ler o texto até ao fim, certamente não me irá responder, certamente não valerá a pena a nota que infelizmente irei tirar a matemática, certamente nada irá mudar… Mas agora sei que tentei.

Se leu este email até ao fim, agradeço-lhe pelo tempo perdido.

Com os melhores cumprimentos,

Para sempre seu "filho"

André Moreira


André Moreira.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Muito boa carta. Bem escrita, excelente pathos, e belo conceito.

    Grande André Moreira.

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  3. tenho a tua idade. Concordo com todas as ideias que escreves. como tu passo pela mesma situação. Resta-nos continuar a lutar. Se o Primeiro-Ministro não ler esta carta, será lida por outras pessoas. Boa luta e obrigado por disponibilizares esta carta neste blogue para que eu e outros jovens possam ler e seguir esse teu exemplo.

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