25 de setembro de 2010
Diário de um Miserável
Há, na aldeia dos meus avós, um trabalhador miserável que não chega a receber dois Euros por hora. Conheci-o hoje, durante a vindima e não quis acreditar no que via. Tem pouco mais de quarenta anos e distribui o seu tempo de trabalho entre a lavoura e as obras.
"-O que aparece a gente tem de aproveitar, se não outros `aproveito´!" .
Provavelmente, se algum realizador de cinema, interessado em retratar a vida num campo de concentração nazi, o conhecesse, escolhia-o, para no mínimo, ser figurante, tal é o aspecto esguio e exangue.
Dizia-me que tinha de trabalhar por vezes dez horas por dia, seis dias por semana.
"-Tem dias que nem um ´molete´ duro ou uma pinga de leite tomo de manhã."
"-Então mas vai trabalhar assim em jejum?", perguntava eu.
"-Tem de ser, se não nem como ao meio-dia nem à noite!".
Quando chega a hora de almoço tem 30 ínfimos minutos para almoçar, ao longo dos quais tem de suportar um patrão inqualificável que lhe diz: "Tone, despacha-te!". É viúvo faz agora 9anos. A filha, a "Rosinha dos Limões", como o meu avô a chamava, emigrou para França e vai ajudando no que pode. Tem pouco mais do que a minha idade, alguns filhos e é o exemplo do destino que o país granjeia à sua juventude, menos ou mais, qualificada.
Parece que esta semana o ´Tone´ se tentou suicidar.
"Precisas de ir a um médico!", dizia a minha avó.
"Pra quê? Ele dá-me de comer?! Eu qualquer dia ponho-me é a dormir!", retorquiu de cenho desenhado.
Há décadas que os partidos do centrão se têm tornado especialistas em anestesiar a revolta que vai germinando nas camadas populares. A bomba social é constantemente desactivada e os vidros da exploração temem em não quebrar.
Dois milhões de pobres, salários médios de 700 Euros, propinas de 1000Euros, famílias endividadas a pagarem a sua casa com 15anos de juros a bancos, porque os diversos governos se marimbaram para a devida política pública de reabilitação e arrendamento urbano.
Agora os mais de 20mil estudantes sem bolsas de estudo, mais empréstimos, mais dívidas. A tal grande medida social, o complemento solidário para idosos, parece que será agora direccionada aos grandes engenheiros informáticos de 65 ou mais anos, que nem direito a aprender a ler e escrever tiveram no seu tempo...
Anos e anos a vomitar o direito à segurança e privacidade individual, para se manter o sigílo bancário e agora quebra-se o princípio para "andar em cima dos malandros que não querem trabalhar, como os do RSI..." Viesse aqui uma delegação do CDS conhecer o `Tone´ e diria o quê? Que quer trabalhar mas bebe demais, não?
E depois a Sic Notícias leva o Francisco Van Zeller e um economista com uns óculos de fundo de vidro de garrafa, a comentar a situação política, e que dizem eles? "É preciso cortar nos salários, suspender o 13º mês... Reduzir a despesa! Se o governo não o fizer com o PSD, que venha o FMI...". Entrassem eles no tasco da aldeia do ´Tone` e, de pronto lhes diriam: "Epa, vão se foder! Vão pró caralho!".
Este era agora o momento em que os prezados leitores esperariam que lhes citasse o nome de autor do séc.XIX ou XVIII que escreveu o romance do ´Tone´, ou o nome d@ jornalista da TVI que fez esta reportagem...
Dá vontade de chorar de revolta, mas a estória deste miserável do séc.XXI é incrivelmente verdadeira e real!
"Ah e tal a luta de classes..."
Talvez tivesse ele vindo numa máquina do tempo ver como o mundo evoluíra... Ou não!
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Mais uma vez vocês põem o dedo na ferida de modo exacto e brilhante!
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