25 de julho de 2012

Reunião


Em política, escrever na primeira pessoa do singular pode, muitas vezes, ser perigoso. Sobretudo quando pensamos estar a tratar de um tema menor, permitindo que o humor suporte a verve de quem se apresenta ao leitor com uma ironia breve. O Daniel Oliveira trata aqui, nesses moldes, de algo que é fundamental, mesmo que na forma se apresente como um desabafo em meio a temas maiores: a saturação das reuniões. Um tema que não deixa indiferente quem faz da vida uma tentativa política de melhorar o mundo. A saturação das reuniões, ou a “reunite” como lhe chama DO, remete para um dilema antigo: a política ou a vida. Pois uma hora de reunião na sede de um partido ou de uma associação é uma hora que nos falta na poesia solta da vida, na leitura desencontrada da madrugada, nos lábios do ser amado. E como em todos os dilemas, há sempre um lado vencedor, há sempre alguém que fica sozinho.
               
Mas será este um dilema verdadeiro? Ou serão muito mais as portas que se abrem dos que as se fecham no caminho? Senão vejamos. O DO coloca no mesmo saco as reuniões políticas e as de trabalho. Erro fatal. A política é uma vontade, e a reunião política só pode ser a concretização dessa vontade. Como tal ela estipula-se no acordo de quem comparece, ao contrário da força de quem a impõe e dela faz depender o emprego de quem está subordinado.
               
Mas mesmo entre essas haverá semelhanças, é certo, e como tal pode-se avançar um receituário contra os maus costumes da reunite, DO avança com 12 mandamentos, muitos deles com um salpico de humor e um toque de enfado: “6.Qualquer intervenção redundante deve ser interrompida; 8. Reuniões sem ordem de trabalhos devem ser banidas; 11. Quem vá para uma reunião sem propostas concretas deve ser impedido de intervir nas reuniões seguintes e quem dirige uma reunião sem a ter preparado antes deve ser despromovido para a função de servir os cafés”. E por aí vai.

Esta enumeração termina com um desabafo perigoso: “A verdade é esta: a esmagadora maioria das pessoas não sabe reunir. E não sabe reunir porque não sabe falar. E quem não sabe falar não sabe estruturar uma ideia.” E é aqui que o humor encontra a fronteira perigosa do elitismo, que é sempre um reaccionarismo, seja à esquerda ou à direita. Pois não se reúne apenas quem já sabe falar ou pensar, as pessoas reúnem-se precisamente para aprender a pensar e a falar em conjunto. Vejam o exemplo retratado no Torre Bela, as reuniões são caóticas, as vozes sobrepõem-se num emaranhado de pensamentos, beiram a agressão, parecem estagnar na falta das palavras e no excesso da emoção, mas elas existem e avançam com a vontade de quem fala da sua vida, da sua existência e das suas convicções. A diferença existe até no silêncio da sala. O mesmo acontecerá em qualquer reunião num bairro social, numa assembleia popular ou numa freguesia que vê o seu centro de saúde fechado. É uma questão de classe, e nessa diferença apontar a desestruturação do pensamento é desistir da política enquanto movimento vivo e chamar a uns quantos o poder, é dar a uns, e apenas a esses, a última palavra.  

Perceber o tanto de vida que há em uma reunião política é, em última instância, o sentido de uma direcção política. E para tal é preciso ouvir, aceitar a dificuldade e os minutos que passam, olhar bem o rosto de quem se cala ou se entusiasma. Entrar numa reunião é, pois, senão, viver.   

1 comentário:

  1. diz-se reunitite crónica

    se fosse reunitite aguda os pacientes sempre se safavam

    é uma reunitite fascista e racista e ...

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