17 de março de 2012

ABC da Greve - Leo Hirszman



A pedido deixo aqui o Documentário que a CULTRA exibiu em Dezembro, no Porto, assim como a breve resenha escrita para a ocasião. "Trabalhador unido, jamais será vencido"

“Cabeças levantadas, máquinas paradas, pois quem toca o trem prá frente também, de repente, pode o trem parar”. Assim entoava Chico Buarque em 1980 numa comovente homenagem aos trabalhadores do maior centro industrial da América Latina. A letra é exacta. Um mar de cabeças levantadas é a imagem forte que fica do desenrolar da convulsão grevista que abalou o ABC Paulista* em plena transição política brasileira e que é captada pela lente de Leon Hirszman neste “ABC da GREVE”. Em 1979, ano que marca o começo da “abertura política” do regime controlado desde 1964 pelos militares, cento e cinquenta mil metalúrgicos param durante 10 dias. Os trabalhadores têm uma reivindicação, 73% de aumento salarial, e um líder, Luís Inácio da Silva, o Lula. O processo acelera-se com a intervenção do governo militar que prende os líderes sindicais e barra o acesso ao estádio de Vila Euclides, o único lugar capaz de acolher assembleias diárias que juntam de cinquenta a setenta mil trabalhadores. Depois de 45 dias de trégua os trabalhadores aceitam um aumento de 69%. Mas já nada seria igual.

Na greve os trabalhadores aprendem e avançam. É na greve que percebem o quão importante é o fundo de greve, que sustenta e prolonga a pausa colectiva. É na porta das fábricas paralisadas, nos piquetes, que a vontade de furar a greve se esmorece. É sob a repressão de quem manda que se descobre a importância das lideranças sindicais, sem as quais o processo enfraquece. E é também da Greve que nasce a percepção da necessidade de lançar o apelo para além das fábricas, para lá da negociação sindical, reagrupando forças e lançando um partido político cuja palavra de ordem ficaria famosa: “trabalhador vota em trabalhador”. É bem verdade que quando erguemos a cabeça vemos mais além.

ABC da GREVE não mostra tudo, nem poderia. A câmara segue o acontecimento e não há lugar a repetição. Leon Hirszman era um cineasta talentoso, de olhar atento e crítico. Só a sua urgência em perceber uma época de mudanças explica o facto de ter interrompido a rodagem da sua obra-prima, “Eles não usam Black-tie”, para se lançar no furacão do ABC. O autor da ficção foi ao encontro da realidade que procurava retratar num enredo que conta os dilemas de uma família de trabalhadores envolvidos numa greve. Isso mostra-nos como a ficção pode também ser um lugar para a política, onde as personagens e a trama transportam consigo a possibilidade: “num determinado tempo e lugar isto acontece”. E nada há de errado no fingir a dor ou as aspirações de outros, pelo contrário, a imitação é consciência, é encarar o diferente pela via da compreensão, mesmo que desprovida de amor ou identificação. E o mesmo se dá no género documentário, onde a ordenação dos acontecimentos e as escolhas dos planos transportam essa necessidade de tornar inteligível um acontecimento, um ser, uma classe. É a consciência da arte livre, que não se verga ao plano político mas que também não o nega e que transporta uma força tão necessária na recusa da própria política como encenação. Se no teatro ou cinema o ensaio é tentativa e anseio de melhorar, de avançar, na política ele muito vezes assume um desejo trasvestido de fazer parecer, de convencer pelo gesto experimentado, gasto e desprovido de comunicação autêntica. Os trabalhadores do ABC viviam tempos de encenação política, de repressão camuflada de ordem, num enredo de falas fixas. Com a greve romperam a farsa e deslocaram o palco dos acontecimentos, escreveram a sua própria história.

*ABC é a conjugação das cidades adjacentes a São Paulo, Santo André, São Bernardo e São Caetano.

2 comentários:

  1. ABC do Protesto - PCF Français em 1950

    quando o livro de Otto Skorzeny com a apologia das S.S saiu em france pela Flammarion (creio)

    o partido comunista pôs dezenas de milhares nas ruas...

    aqui sae uma garrafa de binho salazarista e nem con seguem meter umas duas dúzias em Santa Comba a protestar?

    é falta de fé no ABC...do Blocus..canhotus

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  2. resumindo apologias do passado e falta de entrega no presente levam a...esqueci-me do følgingsktermo..termoproblem...

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