8 de novembro de 2011

A luta permanente



A grande maioria dos estudantes do tempo presente, faz parte de uma geração educada a viver em crise e a ser-lhe submisso. Crise económica, crise política, crise de valores, crise permanente e sem fim anunciado. Mas a crise a que me refiro supera o conceito de instabilidade e de dificuldades económicas em que vivemos. A narrativa da crise permanente é ideológica, porque assenta no preconceito segundo a qual não somos irreversivelmente capazes, enquanto colectividade, de gerar riqueza e valor suficiente para prosseguir a nossa vida."Vivemos acima das nossas possibilidades e por isso todos temos culpas no cartório! Não foi isso que nos ensinaram?".

E se o cenário é este que alternativa nos resta? Os ideólogos da crise permanente num ápice acenam com a resposta: só será possível criar riqueza suficiente se aqueles que a gerarem abdicarem de parte da sua dignidade, quer dizer, se aceitarem que se reduzam directamente os seus salários e pensões ou que o Estado Social, a parte dos salários que é paga ao Estado para que este nos devolva em serviços sociais, seja destruído. Em suma: o caminho para o nosso desenvolvimento colectivo é nas palavras de Passos Coelho o empobrecimento. "Se os ricos ficarem mais ricos à custa do trabalho dos mais pobres, este também acabarão por ganhar com isso. Não foi isso que nos ensinaram?". Depois há a alternativa da capitulação absoluta dada pelo Secretário de Estado da Juventude: os que estão acomodados a esta situação, o melhor que fazem é emigrar.

Mas o efeito mais nocivo da ideologia da crise é que ela é a retórica legitimadora da inevitabilidades dos sacríficios, da austeridade selectiva a que o país está sujeito. Se apenas podemos escolher entre ser pobres porque o país não cresce ou ser pobres porque para crescer o país precisa da nossa pobreza, que mais nos resta se não num laivo patriótico preferir o bem do país ao nosso? "Não foi isso que nos ensinaram? A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né?" Mas terá mesmo de ser assim?

Não é possível obter as respostas correctas se as perguntas forem mal formuladas. Afinal que crise é esta? A austeridade selectiva é inevitável? Que papel podem desempenhar os estudantes e a juventude neste momento histórico que o mundo vive?

A crise, simplificando, nasce nos Estados Unidos e resulta do risco de implosão do sistema bancário norte-americano após inúmeros crimes económicos da autoria dessas entidades. O alarme soa na Europa e como medida de precaução são nacionalizados alguns bancos e outros recapitalizados, com graves prejuízos para os Estados, leia-se, os contribuintes. Os estados endividam-se e lançam as primeiras medidas de austeridade sobre as populações. Em consequência o crescimento económico abranda e muitos países entram em recessão. Recapitalizada a banca, eis que este sector decide investir em títulos da dívida, especulando com dívida dos estados, os mesmo que os salvaram da falência meses antes. O endividamento dos estados foi crescendo na exata proporção da especulação de que foram alvo. As medidas de austeridade vão sendo anunciadas todos os dias. As economias mais frágeis como a da Grécia, Irlanda e Portugal soçobram. Com o risco iminente de incumprimento da Grécia e temendo que um eventual efeito dominó atinja os restantes afectados, é acordado o perdão de parte da dívida da Grécia. Boa vontade dirão alguns, mas apenas se esquecerem que esse perdão terá de ser compensado pelos estados à Banca através de novas recapitalizações e medidas de austeridade. Desorientado o primeiro-ministro grego anuncia um referendo nacional ao novo plano de austeridade, mas depressa é coagido a desistir dele sob a chantagem de ver cortado o pagamento do empréstimo à Grécia, na eventualidade de a população grega recusar novas medidas de austeridade.

É esta a crise que vivemos e as respostas que lhe foram dadas. Dizer que elas são inevitáveis é ser cúmplice com esta espiral de empobrecimento generalizado, é assumir uma postura de submissão perante a injustiça e crueldade social e é desistir do ideal de progresso colectivo das sociedades. Mais grave do que tudo, e a história demonstra-o, é que nenhuma democracia resiste a tão longo ciclos de empobrecimento. A austeridade é hoje a face presente do autoritarismo futuro e o exemplo do referendo grego fala por si.

O exemplo grego é o equivalente para nós a um filme cujo final podemos conhecer e ainda temos oportunidade de o alterar. Portugal é o primeiro país desde o século XIX a impor aos seus trabalhadores o acréscimo da sua jornada de trabalho e ainda por cima trabalho gratuito. Os subsídios de férias e natal, justificados não por boa vontade das entidades empregadoras, mas por questões de produtividade e sobretudo pelas lutas seculares do movimento operário internacional não voltarão a ver a luz do dia no nosso país, por muito que nos digam que o corte é provisório. Em todas as conversas que vamos tendo, sentimos o desânimo das pessoas, em particular dos jovens, à espera da primeira oportunidade para sair do país. Como diria José Mário Branco, "não pode haver razão para tanto sofrimento".

E a juventude? E os estudantes que palavra têm a dizer neste contexto? Resignam-se com o "pão e vinho sobre a mesa" enterram a cabeça na areia como a avestruz e fingem que estes problemas não são deles, ou tornam-se sujeitos de transformação desta realidade? E a austeridade terá alguma coisa a ver connosco enquanto estudantes?

Há mais de duas décadas que as discussões sobre o Ensino Superior tem andado à volta dos cortes efectuados pelos sucessivos governos na Universidade Pública. De um princípio ideal de apoio às famílias mais carenciadas, como forma de corrigir as desigualdades económicas no acesso à Universidade, passamos neste período de tempo, a um modelo que é ele próprio a raiz dessa desigualdade.

Primeiro vieram as propinas, ainda com um preço simbólico, retoricamente legitimadas pela necessidade de uma pequena contribuição dos estudantes para o aumento dos índices de qualidade das Universidades. A verdade, porém, é que essa acréscimo de qualidade a existir vive clandestinamente nos corredores das faculdades sem que ninguém sinta a sua presença e o preço das propinas dos 6 euros iniciais fixa-se hoje nos 999,17E, tendo subido relativamente ao ano anterior 12.83 cêntimos. Neste ano lectivo, a receita global das propinas pagas pelos estudantes do ensino superior deverá subir 65 milhões de euros. De acordo com as contas que o Governo inscreveu na proposta de Orçamento do Estado para 2012, o total das contribuições pagas pelos alunos deverá chegar aos 317 milhões de euros, o que representa um crescimento inédito de cerca de 26% face a 2010 e que mais do que triplica o valor atingido em 2003 (101 milhões de euros), ano em que a nova Lei de Financiamento do Ensino Superior actualizou as propinas e entregou às universidades a responsabilidade de fixar anualmente o seu valor. De 5% do PIB em 2010, as despesas do Estado com a educação passarão a representar apenas 3,8%. Na UE, a média é de 5,5%. Por outro lado, nos últimos dois anos têm sido efectuados cortes brutais no financiamento das Universidades, colocando o valor das dotações orçamentais em níveis próximos aos de à 15 anos. Por isso, risco de encerramento das Universidades deve ser encarado como uma realidade cada vez mais próxima.

E acção social escolar que é feito dela? Há um ano produziam-se discursos inflamados pelos nossos dirigentes associativos contras o Decreto-Lei 70/2010, insurgindo-se mesmo contra a possibilidade de poderem ser cumplices do abandono de um só estudantes da Universidade por razões económicas. Só o ano passado foram cerca de 30 mil a perder a sua bolsa ou vê-la diminuída. Uns passarão longos calvários de dificuldades, com consequências no seu rendimento académico. Outros, pura e simplesmente, abandoram a universidade. Este ano persperctiva-se que mais 10 mil estudantes perderão a sua bolsa de estudo de acordo com as novas regras. Em dois anos os custos de frequência na Universidade subiram drasticamente e em contrapartida 40 mil estudantes perderam a sua bolsa ou viram-na diminuir. Em consequência, este foi o primeiro ano da história da nossa democracia em que o número de candidatos ao Ensino Superior diminui. "Não nos chega para o material escolar? Antes nos livros do que na renda da casa? Não te chega para a renda da casa? Antes na renda da casa do que nas propinas? Não te chega para as propinas? Antes nas propinas do que nas cantinas? Não foi isto que nos ensinaram?" Queremos mesmo ser o suporte passivo deste modelo de desenvolvimento?

E eis que chegamos à pergunta fundamental: Que fazer? Sabemos desde já o que não fazer, ou seja, ser acriticamente submissos à ideologia da crise. Neste momento é imperioso que nos reeduquemos reivindicativamente. As ideologias da crise permanente e da inevitabilidade da austeridade selectiva deixaram feridas por cicratizar no movimento de resistência popular, enfraquecendo a legitimidade dos pólos habituais de representação cívica, gerando um vazio. Acontece que, em política o vazio é rapidamente preenchido e sem que muitos de nós se apercebesse, o espaço que deixamos pela nossa passividade reivindicativa foi aproveitado pelos sucessivos governos para imporem a sua agenda de neo-liberalização da sociedade e de delapidação da Universidade Pública. É assim a luta social. Quanto mais frágil a nossa resposta, mais brutal a resposta do nosso oponente.

A ideologia da crise permanente só pode ter como resposta a luta permantente. Mas o que é a luta? É o processo de contestação organizado, duradourp e consistente daqueles que "sentem uma força a crescer-lhe nos dedos e uma raiva a nascer-lhe nos dentes" à medida que vão presenciando a injustiça tornar-se regra na sua vida.

Mesmo ferido e fraco, o que não se submete ao autoritarismo da injustiça, luta. Junta forças em todos os sectores, organiza o seu, mas não exclui à partida ninguém. As vitórias históricas dos estudantes só o serão se conseguirem mobilizar para as suas causas toda a população e se não ignorarem que hoje, mais do que nunca, as causas da população também são suas. A conjugação de esforços é o caminho.

Assim, os estudantes devem ter um papel activo na próxima Greve Geral convocada pelas duas centrais sindicais, evidenciando a sua solidariedade com a população em geral, mas também com os trabalhadores das suas faculdades. Uma primeira grande vitória foi a adesão da Associação Académica de Coimbra a esta greve geral na última Assembleia Magna, rompendo inclusive com as posições que tomara no passado. "Que cem academias adiram e que cem austeridades caiam ".

Nota: intervenção na última Assembleia Magna da AAC, excepto a parte final a itálico.

1 comentário:

  1. A palavra crise serve para todos se lambuzarem e cada dia mais sobrecarregarem os que lutaram e lutam por um curso, uma casa uma família.

    Dizem que os nossos jovens não têm ideais e que fogem às suas responsabilidades. Esquecem-se de lhes dizer que fomos nós gerações mais velhas que pagámos aos políticos os cursos que tem e que agora querem extinguir.

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