Atenas e os seus territórios circundantes são identificados como o berço da civilização como o concebemos na esfera ocidental. Não é por acaso, que o Império Romano quando invade Atenas é aculturado pelos ocupados.
Mas o que no passado longínquo serviu de ensaio inspirador para novas experiências democráticas e de progressos científico, cultural e intelectual é contemporaneamente um imenso laboratório político e económico.
Vamos por partes. A soberania popular, a democracia pluripartidária, as liberdades colectivas e individuais e o ideário do progresso e desenvolvimento constante formaram o grosso do espírito político dos Estados no período pós-guerra. O Ocidente adoptara esse modelo como o seu e atribuiu-lhe carácter normativo, todos os outros seriam embutidos de vícios e de comportamentos desviantes. O triunfo do neoliberalismo e consequentemente do neoconservadorismo, vieram alterar algumas peças a esse modelo, apesar das transformações (essencialmente na criação de novos espaços de acumulação e na desregulação total das relações sociais) o essencial como modelo para o imaginário colectivo manteve-se.
A explosão da bolha imobiliária, as crises financeira e das dívidas soberanas, deram o mote para a procura de um novo modelo social e económico capitalista, é arriscado totalizá-lo mas podemos perfeitamente identificar os rumos que pretende tomar e defini-lo como austeritário – austeridade e autoridade permanente no campo social e económico. Se o capitalismo de pacto capital/trabalho do pós-guerra foi sucedido pelo neoliberalismo (e demais derivações), este último está de todo em fase de mutação para ganhar forma no supracitado. E se o anterior foi testado no Chile, podemos afirmar que o posterior tem como sua primeira grande experiência a Grécia.
O país encontra-se há dois anos sob um apertado plano de austeridade, o erário público foi completamente esventrado, os direitos sociais aniquilados, o tecido produtivo destruído e o desemprego encontra-se nos 16%. O panorama geral é de total regressão civilizacional e de descrença global nas orientações económicas impostas pelo governo grego e pelas instâncias internacionais e europeias. Diversas sondagens demonstram que larga maioria do povo rejeita as receitas aplicadas enquanto a popularidade do executivo nunca esteve tão baixa. Ao que se somam imensas greves gerais, protestos, tumultos e uma luta popular constante.
No calor desta conjuntura Georgios Papandreu, anunciou a realização de um referendo sobre a nova “ajuda” financeira. Os mercados, o eixo franco-alemão, partes do próprio governo e do PASOK não gostaram. O primeiro-ministro retirou a proposta e anunciou negociações para a criação de um governo de unidade nacional (em princípio constituído pelo PASOK – no governo - e pela Nova Democracia – oposição de direita).
Regressemos ao modelo. A Grécia assemelha-se a uma província colonial, comandada pela metrópole Berlim-Paris, mercados financeiros e instituições estrangeiras, as suas decisões políticas autónomas nada valem se não condizerem com as orientações exteriores. A soberania popular é meramente fictícia. Os direitos sociais e económicos são puramente formais e o mais relevante de tudo, o desenvolvimento progressivo e a promessa de um futuro melhor foi substituído pelo empobrecimento necessário e sacrifício geracional, o que não se coaduna a longo prazo com a convivência democrática. É a sua completa antítese e a demarcação mais clarividente da ideologia neoliberal - que sempre prometeu futuros gloriosos, baseados nas leis do mercado, na iniciativa privada, desde conjugada com esforço e mérito.
Apenas regimes ditatoriais conseguem governar a longo prazo, com este grau de agressividade e brutalidade, contra o seu povo, sustendo o descontentamento com repressão, perseguição, medo e terror, a história assim o demonstra cruelmente.
Quer isto dizer que regressaremos aos inícios do séc.XX? A história não se repete e o determinismo puro como grelha analítica não ajuda. No entanto, os rumores de movimentações de generais, aliados a avisos passados da CIA sobre tentativas de golpe de estado, não auguram nada de bom. Mas se o muscular institucional é inevitável para manter este programa de extorsão social - os governos de unidade nacional em situações de crise são uma manifestação clara disso – a redacção do futuro às massas pertence.
Uma coisa é certa, isto não é neoliberalismo!
Publicado na comuna.net
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