26 de maio de 2011

Vamos lá ver o gráfico, mas agora com um bocadinho mais de seriedade

a minha resposta a este artigo de Paulo Pedroso sobre a necessidade de reduzir os custos unitários do trabalho.


Os números e os gráficos têm de facto a vantagem de poder ser utilizados para provar qualquer teoria, a que se queira, a mais vantajosa. Mas não deixa de ser desonesto tentar convencer um povo inteiro a pagar com austeridade um divida que não lhe pertence, dizendo-lhe que andou a “viver acima das suas possibilidades”.
Sobre o gráfico

1. Os custos unitários do trabalho são um indicador que procura medir a competitividade de um país dividindo os custos nominais do trabalho (salários, contribuições para a segurança social etc.) pelo produto real (PIB).

2. Em pormenor, estamos a dividir salários nominais, ou seja, salários que levam em conta a inflação, pelo produto real, onde não consta a inflação.
3. O que é que isto quer dizer? Que os países onde a inflação foi maior, curiosamente os países periféricos, aumentaram mais os seus salários NOMINAIS que os países onde não houve inflação. Isto não implica um aumento nos salários reais, apenas a manutenção do poder de compra.

4. E a verdade? Se analisarmos a compensação real do trabalho verificamos que desde 1995 que Portugal evolui a par da Alemanha

5. E a verdade II? Se analisarmos a produtividade real do trabalho verificamos que cresceu mais depressa em Portugal nos últimos 10 anos que na Alemanha

(está aqui: http://www.researchonmoneyandfinance.org/media/reports/eurocrisis/fullreport.pdf)

Mas por que é que os custos do trabalho são menores na Alemanha?

6. A Alemanha implementou nos últimos anos uma estratégia de compressão dos seus próprios salários reais que congelou o seu poder de compra interno.

7. O que é que isto quer dizer? Que a Alemanha só cresce à custa das exportações, já que a sua população não consume, e que tem uma economia que, salvo o sector exportador, está estagnada.

8. A Alemanha só enriqueceu porque os países do sul se estavam a endividar. A Alemanha produz para vender aos países periféricos que, para comprar, vão pedir dinheiro emprestado aos bancos Alemães, provocando uma enorme transferência de rendimentos para a periferia sob a forma de crédito, mantendo a própria Alemanha em posição deflacionada.

E? o que é que há de errado na estratégia neomercantilista da Alemanha?

9. Se todos os países adoptarem a mesma estratégia de compressão de salários reais internos, não haverá ninguém para importar e portanto uma saída pelas exportações não é viável. Só pode haver uma Alemanha na Europa, e é uma mentira acenarem-nos essa cenoura.

Mas a competitividade depende mesmo dos salários?

10. NÃO

11. MOEDA SOBREVALORIZADA - há estudos feitos, nomeadamente pelo professor João Ferreira do Amaral que defendem claramente este facto. A Alemanha quando adoptou o euro entrou como marco desvalorizado, enquanto Portugal entrou para a UM com o escudo sobrevalorizado, o que prejudicou as exportações e a competitividade.

12. PREÇO DA ENERGIA – uma das fontes de perda de competitividade das empresas portuguesas

13. SISTEMA DE JUSTIÇA – recentemente apontado como um dos principais factores que impedem as empresas de se fixar em Portugal (isto dizem estudos de grandes consultoras)

14. PREÇO DO FINANCIAMENTO – enquanto há 20 anos atrás os salários eram uma forte componente no orçamento das empresas, hoje é o preço a que se financiam que pesa. Os juros que pagam ao banco pelo crédito, mesmo o de tesouraria.

15. CONFIGURAÇÃO INSTITUCIONAL EUROPEIA - Um Banco Central que protege apenas os interesses da Alemanha, por exemplo. Uma política agrícola comum que destruiu o todo o nosso sistema produtivo agrícola.

Percebo a pressa de alguns para tirar rapidamente conclusões convenientes, mas está na altura de introduzir alguma honestidade e decência na forma como utilizamos dados, indicadores e argumentos económicos para convencermos as pessoas a aceitar o que não as beneficia, nem à economia.

2 comentários:

  1. Ou muito me engano ou o Paulo Pedroso não vai responder ao teu post; para ele, partir do pressuposto de que é necessário reduzir os custos unitários do trabalho é o argumento útil para aceitar a redução da TSU ou para aumentar o horário de trabalho ou para tomar as duas medidas em simultâneo.
    Era de longe preferível uma pessoa replicar a uma pessoa séria mas com visão da economia ou da sociedade diferente do que fazê-lo para alguém que não parece ser intelectualmente honesto. É pena.

    Rui Santos

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  2. Comentei em: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2011/05/dislexia-nao-e-bem-esse-o-lado-esquerdo.html
    Abraços!

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