1 de março de 2011

“Os Poderes Criativos de uma Civilização Livre” - parte 2: A ciência da escolha


Lionel Robbins: [a economia é a] “ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que têm usos alternativos”


O Público dava ontem conta de outro bom exemplo da exploração oportunista dos limites institucionais existentes, que é a essência da ordem económica neoliberal.

Muitas empresas têm iniciado processos judiciais e apresentado queixas nas associações empresariais e na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) no seguimento de perdas gigantescas, associadas a produtos financeiros vendidos por alguns bancos (sobretudo o Santander).

Estes produtos, contratos de permuta (swaps) de taxas de juro, constam de um acordo estabelecido entre duas partes, digamos uma empresa qualquer e o Santander, que funciona assim: esta empresa tem um determinado montante de dívida, fruto de um empréstimo qualquer que tenha contraído, por exemplo, e, para se proteger de eventuais subidas nas taxas de juros de referência (que aumentariam os seus encargos com essa dívida), ela compra ao Santander um produto financeiro que “troca” a taxa indexada (variável) por uma taxa fixa. Na troca, a empresa acorda pagar uma taxa fixa, em contrapartida recebe a taxa variável, indexada à taxa de juro de referência (Euribor).


Quer dizer que a empresa lucra se essas taxas subirem acima de determinado valor e perde se elas descerem abaixo desse nível contratado.


Segundo a teoria convencional – e segundo o Santander – as empresas que compraram estes produtos financeiros, e que perderam milhões desde que as taxas de referência desceram a pique a partir de Setembro de 2008, tinham à sua disposição toda a informação necessária à tomada de decisão.

Mas à “ciência da escolha” destas empresas faltou muito provavelmente a informação de que o BCE desceria a taxa de juro de referência alguns dias depois de contratualizarem estes swaps com o Santander (em muito melhor posição, evidentemente, para antecipar esta situação), como dá conta o Jornal de Negócios. E na “ciência da escolha” destas empresas, também entrou, por outro lado, as avaliações das suas necessidades e perfis de risco feitas pelos vendedores destes produtos, e nas quais elas confiaram.

A escolha começa a parecer-nos ter muito pouco de científica, mas é importante lembrar que, segundo a teoria neoliberal, o Santander limitou-se a pôr em prática o postulado do agente empreendedor que tira o máximo partido do seu conhecimento particular (sim, das assimetrias de informação também; não faz mal, que tudo há-de correr pelo melhor) e do campo de possibilidades aberto pelos arranjos institucionais existentes.

Teoricamente, e para informação dos que decidem desses arranjos institucionais, esta criatividade dos agentes libertos de constrangimentos regulatórios dinamizaria a inovação e estimularia o crescimento económico. Na prática vemos que é só a predação do sector financeiro improdutivo sobre a economia real a hipotecar o seu futuro.

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