3 de março de 2011

As realidades não são estáticas

"O progresso não é senão a realização das utopias."


(Oscar Wilde)


Essa ideia corrente que se espalha e multiplica, e que é construída voluntariamente e serve a alguém, de que é impossível conceber e construir mais do que os limites da realidade, é uma ideia permeável no senso comum que parte do pressuposto estrutural de que a realidade é a inevitabilidade do hoje e do agora. É a ideia de que é impossível conceber algo para lá de determinadas barreiras e muros. É a ideia, na prática, de que há aspectos da nossa vida que têm de ser assim e não há mais possibilidades, a ideia de que a desigualdade é inevitável porque “sempre existiu”, a ideia de que sempre fomos e seremos naturalmente “egoístas” e “gananciosos” e que não há espaço para pensar algo fora desse prisma, a ideia que perante o que está mal o único espaço político é o que está menos mal, a ideia de que a luta por uma vida melhor é utópica (no seu sentido burguês) e que portanto nos temos de contentar ao que temos, ainda que seja possível alterarmos pequenas coisas, a ideia da rejeição de qualquer proposta avançada por ser idealista (no seu sentido burguês) tendo em conta a nossa “realidade”, a ideia de que o socialismo é algo desfasado da realidade.

Esta ideia, ou ideias, que ouvimos e que se sentem quando sentimos a permeabilidade social da “inevitabilidade” é uma ideia que estrutura o discurso dos dominantes, que cultiva o conformismo e que tem um papel muito importante no sistema: a dominação ideológica. A produção e reprodução deste discurso é uma arma fortíssima que a burguesia tem nas mãos e que é tão difícil para a Esquerda desconstruir (até em nós mesmos) quando trabalhamos com pessoas. É por isso que os dominantes temem tanto as revoltas e revoluções do Magrebe.

No Egipto, mas também nos locais que os Mass Média deliberadamente esqueceram, na Tunísia, na Jordânia, no Iémen, na Argélia, em Marrocos, na Líbia, na Palestina e no Irão, esse discurso ideológico está a ser completamente desmontado. Assim como os donos dos escravos desde o Iluminismo para cá perderam a hegemonia do discurso da inevitabilidade da escravatura, assim como no século XIX o discurso da burguesia industrial da inevitabilidade da exploração caiu às mãos das grandes transformações operárias tidas como inconcebíveis, assim como se perdeu no vazio o discurso da segregação racial, assim como caiu o discurso da impossibilidade de os Estados terem serviços públicos que sejam uma garantia da igualdade e da democracia, também nestas revoltas (que já não são apenas no Magrebe, mas que ainda não são do mundo árabe) provam de que a realidade nunca é estática, a realidade está nas mãos das pessoas que a tentam transformar e que decidem em certos períodos históricos (como o nosso) tomar a sua realidade nas suas mãos e transformar essa construção ideológica de que “isto é como é” em mísero pó!

Isto não “é como é”, isto é “aquilo que nós queiramos que isto seja” essa é a transformação do discurso que tanta assusta os dominantes da nossa história e do nosso presente. Mas estas revoltas também têm uma lição para nos dar, a nós, comunistas: a única característica que podemos ter como certa sobre uma determinada sociedade é a de que qualquer sociedade é imprevisível. E é aí que o comunismo é tão rico: na possibilidade de olhar para o real desconstruindo as relações de força, tendo a capacidade de fazer da imprevisibilidade uma oportunidade estratégica, uma guia para acção.

Os povos do Magrebe, assim como os povos de todas as partes do Mundo têm nas suas mãos o seu maior trunfo: a sua realidade!

João Mineiro

Públicado na segunda Tribuna da Conferência da UDP - Asociação Política.

2 comentários:

  1. Gosto moito do blog, convidolle a visitar un alen do Minho

    http://galiziaecosocialista.blogspot.com/2011/03/imparable-marcha-da-liberdade.html

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  2. geralmente têm nas mãos nova escravidão

    os escravos do haiti tiveram os tontons macoutes e os Papa Doc durante 200 anos

    eram talvez melhores que os dragões napoleónicos

    e daí talvez não

    ó mineiro que não minas

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