8 de fevereiro de 2011

O (im)pacto da competitividade e convergência

Ficámos a conhecer este fim-de-semana os planos do eixo franco-alemão para aquilo que a chamaram o “pacto de competitividade e convergência”, apresentados durante a última cimeira de líderes da União Europeia. As propostas apresentadas incluem a consagração dos défices nas constituições dos países da UME e também o fim da indexação entre salários e inflação para certos países. Os presidentes dos dois países explicaram que o objectivo é “alinhar todos os países com o mais bem sucedido”, ou seja, aplicar o modelo de governação alemã a toda a Europa.

Ao apoiar as medidas de governação propostas, o governo português está a subscrever inteiramente o modelo alemão de ajustamento através da redução dos défices e da deflação, ou seja, o ajustamento pela redução dos salários, do Estado Social e dos serviços públicos – o mesmo modelo falhado que o FMI impôs aos países em vias de desenvolvimento.
Este é um modelo falhado porque, para além de deixar os países a braços com taxas insuportáveis de desemprego e graves problemas sociais, não resolve em nada os problemas estruturais crescimento e endividamento externo das periferias da Europa.

Encontramos amiúde nos debates económicos argumentos profundamente ideológicos mascarados por uma falsa “cientificidade inquestionável”, mas há uma simples regra aritmética que parece ser propositadamente deixada de lado neste debate: no jogo dos (des)equilíbrios externos não pode haver apenas vencedores. A única forma de um país ter uma balança corrente excedentária, é haver outros que tenham um défice comercial, e o que se disputa aqui é quem tem condições para ficar do lado dos ganhadores.

Há várias justificações para a Alemanha, em conjunto com outros países da Europa, estar do lado dos vencedores, nomeadamente a sua estratégia neomercantilista (muito bem apresentada aqui por Nuno Teles) que lhe permitiu acumular excedentes, por contraponto aos défices das periferias, incapazes da mesma proeza devido aos seus problemas estruturais e também devido à sua posição cambial desfavorável no momento da entrada na zona euro.

Mas estes e outros factos económicos são propositadamente ignorados, em defesa de um “ajustamento à Letónia”, que já várias vezes foi apontada como um caso a seguir por outros países da UME.

Com o objectivo de entrar na União Monetária em 2014, a Letónia ancorou a sua moeda ao Euro em 2004. Quando, em 2008, a crise atingiu a Europa, a economia da Letónia caiu cerca de 25%. Na impossibilidade de sair da crise através de uma desvalorização da moeda (que estava ancorada ao Euro), o país implementou o mais drástico plano de desvalorização interna pela austeridade, em relação ao qual até o FMI mostrou preocupações, devido ao seu “radicalismo neoliberal”.

A estratégia escolhida pela Letónia para pagar as suas dívidas e ganhar competitividade, e que tem sido vendida como um caso a seguir, teve como consequência a destruição de 20% de emprego e do sistema de segurança social, e um massivo movimento de emigração para fugir da pobreza que, segundo o Nobel Paul Krugman, pode levar a economia da Letónia à autodestruição.

A Grande Depressão, que teve inicio com o crash da Bolsa de Nova Iorque em 1929, ficou para história porque os Governos não souberam reagir atempadamente para minimizar os seus efeitos. A crise que hoje vivemos corre o risco de vir a ser histórica exactamente pelas desastrosas opções políticas de intervenção dos governos europeus.


Artigo publicado no Esquerda.net


i) A ideia de uma posição cambial desfavorável para os países periféricos no processo de integração europeia tem vindo a ser defendida por vários economistas, como João Ferreira do Amaral, e significa, em termos simples, que os países periféricos perderam capacidade de competir com outras economias devido à valorização excessiva da sua moeda no momento de entrada no euro, devido a pressões das economias fortes, como a Alemanha.

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