22 de fevereiro de 2011

Mas os mercados também ficaram mal dispostos...


Afinal parece que os números da execução orçamental não caíram mal só à oposição bota-abaixo; parece que os mercados financeiros também não estão particularmente impressionados com a redução de 58% do défice.

Claro que, neste caso, não tem nada a ver com a indignação política perante o peso dessa redução ter caído todo sobre os rendimentos do trabalho, sobre os orçamentos das famílias. Ou com expectativas do impacto económico que isto pode ter.

Na realidade, esta fúria destes deuses não tem nada a ver com perspectivas acerca da evolução da economia real portuguesa.

O que explica então que os juros da dívida tenham hoje batido um novo recorde nos mercados secundários?

Dois elementos a considerar:

i) os preços dos Credit Default Swaps (seguros) sobre a dívida portuguesa continuam a subir em flecha, pressionando os juros exigidos.

ii) hoje uma comitiva do BCE e da Comissão Europeia veio a Portugal reunir com a banca e ver da situação financeira do país (dias antes da intervenção UE-FMI, a Irlanda também tinha recebido uma visita semelhante).

O que se está a passar hoje – e tem vindo a passar nas últimas semanas – é a primeira fase de uma profecia auto-realizável que já se provou bastante eficaz no caso irlandês.

Perante a possibilidade de resgate por parte do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, apostar na queda do valor dos juros dos títulos de dívida portuguesa (short-selling) afigura-se uma lucrativa opção de investimento:

No geral, o plano é o seguinte:

i) uma corrida aos CDS faz subir os juros da dívida portuguesa,

ii) os fundos de investimentos alternativos – os hedge funds – pedem emprestados títulos de dívida às instituições financeiras que os compraram nos leilões, normalmente os bancos, para os vender a outros investidores,

iii) quando esses juros atingem valores incomportáveis, o FEEF intervém, fazendo com que esses valores caiam a pique,

iv) então os hedge funds voltam aos mercados, compram títulos de dívida portuguesa para devolver às instituições que lhos emprestaram, mas agora a um preço muitíssimo inferior, ficando com a diferença.

Apesar das orgulhosas declarações de Sócrates ontem, os mercados não querem saber da execução orçamental para nada. É o princípio de razão suficiente a funcionar: já aconteceu assim na Irlanda e, como nada de fundamental se alterou, tudo indica que vai ser igual com Portugal.

Os mercados – que já ganharam ao apostar neste cavalo – não estão a ser nada irracionais; a decisão política, que mantém o mecanismo de resolução de crises de dívida soberana com os contornos de intervenção externa, de emergência – antecipável a qualquer momento –, é que sim.

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