22 de outubro de 2010

"porque é que a praxe existe? Porque sim!"


Todos os anos, com o começo do ano académico, assistimos ao (re)começo das tradições académicas em praticamente todas as faculdades do país. Entre estas tradições destaca-se a praxe académica.

A praxe académica enquanto conceito, nos nossos dias, surge como resposta à necessidade de integração de estudantes no novo tipo de ensino, o ensino universitário. Mas ela não surge assim. Desde a institucionalização da praxe, na Universidade de Coimbra, muita alteração se fez ao objectivo da praxe, e à sua prática real. Desde a sua proibição por D.João V - "Hey por bem e mando que todo e qualquer estudante que por obra ou palavra ofender a outro com o pretexto de novato, ainda que seja levemente, lhe sejam riscados os cursos."-, a praxe sofreu no século posterior, século XIX, uma alteração profunda caracterizada pelo aumento massivo da violência. Só a implantação da República parou a violência praxista. A praxe é recuperada, embora de uma forma diferente, no Estado Novo e novamente é abolida consensualmente a seguir ao 25 Abril, fruto de tempos em que as lutas eram outras…


A praxe, como a conhecemos hoje, é fruto do seu ressurgimento pós Abril, em particular fruto massificação praxista dos anos 70. No Porto, como em Coimbra, em Lisboa, em Évora, a praxe foi (re)implantada ou, no caso especifico de Lisboa, implantada mais seriamente. Esta (re)implantação foi acompanhada pela tomada das Associações Académicas pelas juventudes partidárias do PS e do PSD. Associações Académicas, que mesmo não sendo comissões de praxe, são importantes estruturas de base e apoio da cultura praxista. Com a massificação da praxe, enquanto meio de integração segundo as comissões de praxe, os rituais institucionalizam-se, as hierarquias ganham força, os rituais multiplicam-se de ano para a ano, e cria-se uma tradição académica de praxe. É essa a tradição com que quase todos os estudantes de primeiro ano na faculdade se deparam.

Mais que fazer uma análise histórica do que foi a praxe, interessa-me interpretá-la no hoje. Como é a praxe hoje? Como se processa? Com que objectivos? A quem serve? A praxe deve existir como meio de integração no meio universitário?


- A praxe não é livre. A maioria dos estudantes gosta da praxe e vai à praxe. Isso não a legitima por si só. O que acontece a um estudante que se declara anti-praxe? Tem o mesmo tratamento pelos colegas de curso mais velhos? É convidados para jantares de curso e outras formas de convívio estudantil? Um estudante anti-praxe é um estudante por norma excluído dos convívios de curso e das formas de socialização que se fazem entre os cursos. É mal visto e por isso poucos se declaram anti-praxe, por medo de represálias académicas.

- A praxe é hierárquica. A praxe onde ela está mais fortemente implantada, e destaco muito especificamente a Universidade da Beira Interior, é uma praxe com uma hierarquia muito forte e rígida. O que é que legitima a autoridade hierárquica? O número de matrículas. Para ser mais específico e falar com os termos correctos, quanto mais cadeiras os estudantes deixam para trás e mais acumulação de matrículas têm, mais poder têm na praxe. Na gíria: quanto mais burro mais poderoso! A praxe aproveita-se de uma falsa hierarquica – falsa porque apenas existe dentro dos códigos de praxe -, e a pretexto dessa hierarquia hipótetica, legitima actos de violências, humilhação e subjugação.

- A praxe é violenta fisicamente e psicologicamente. A melhor realidade para descrever é a que observamos. E quanto saímos à rua e damos de cara com a praxe, assistimos à realidade concreta. Os veteranos, grão-mestres, doutores, bispos, e todos esses conceitos praxistas, aplicam sobre os caloiros – ai sim, o conceito é geral -, torturas psicológicas, muitas vezes físicas, que se aproveitam de estigmas e preconceitos pré concebidos para humilhar e subjugar, entre berros, ofensas, ataques pessoais e muitas outras dissimulações absurdas. As praxes aproveitam-se das fragilidades pessoais. Em Castelo Branco há caloiros a dar linguados a porcos (porcos não estou a falar de alguns praxistas mas do animal mesmo), na Covilhã caloiros simulam orgasmos (mesmo que seja sem contacto algum). Em Lisboa caloiros rebolam em lama. No Porto simula-se sexo com uma árvore e fecham-se estudantes em fábricas durante todo o dia. Em Coimbra estudantes (quer dizer…, caloiros) que saiam à rua a partir de determinada hora e sejam apanhados cortam-lhe o cabelo. E já para não falar dos exemplos clássicos de uma rapariga que foi violada, ou outra que ficou durante um dia cheia de bosta de vaca ao sol… Os exemplos são tanto!!!

- A praxe ilusória. É obvio que cria uma dinâmica grupal entre os caloiros importante para o resto dos anos. Mas, mais uma vez, isso não serve como legitimação. A praxe esconde um dado muito importante: é possível criar dinâmicas grupais entre cursos que não se baseiem em praxes. Aliás, há exemplos concretos: visitas à universidade promovidas pelos núcleos de curso, jantares alargadores de cursos, jogos, tertúlias, chill-out sessions, noites de copos, acções culturais, enfim há todo um campo vasto de ideias por explorar. E a isso os membros das comissões de praxe nunca responderam nem nunca quiserem responder.

- A praxe é machista. Em inúmeras praxes existe uma submissão da mulher perante o homem. Seja ao nível da submissão sexual, seja a exploração da opressão machista, seja às praxes em que o objectivo é a mulher dançar para um veterano, ou um caloiro simular uma conversa de “engate” a uma caloira, ou os desfiles de caloiras com pouca roupa em discotecas e bares.

- A praxe é brutalmente homofóbica. Em quase todas as canções e hinos de praxe se exorta a opressão homofóbica. Em todas as letras das músicas de curso são metidas palavras e expressões como gay, paneleiro, maricas, levar no cú, ou outras insinuações rascas que escondem um preconceito brutal, que é altamente opressor para com homossexuais e degradante, ainda por cima dito por pessoas adultas a estudar no ensino superior!

- A praxe não é democrática. Aos caloiros os dados são impostos e não discutidos. A ninguém é perguntado “olha queres fazer esta praxe?”, “caloiro, tem alguma objecção a olhar para o chão quando fala com estudantes com mais matriculas?” ou qualquer outra pergunta deste género. O caloiro faz, simplesmente porque sim, sem justificação e nem tem o direito de perguntar nada. São “regras” dizem eles.

Por todas estes argumentos e dezenas de outros que não descrevo, e por toda a realidade que vejo como estudante em Lisboa, que conheço por relatos de amigos em Coimbra, que conheço por relatos de amigos no Porto, que conheço por relatos de amigos em Braga, que conheço por relato de amigos em Évora, que conheço concretamente na cidade da Covilhã, que a minha rejeição à praxe é absoluta. O que a realidade concreta me mostra é que a praxe é uma forma medieval de opressão e de submissão pré laboral, de aproveitamento de preconceitos e de fraquezas pessoais, de exploração de fragilidades e de diferenças entre as pessoas, e de subjugação não-livre à vontade de alguém que não tem autoridade nenhuma. Numa Universidade livre a praxe não tem de existir.

Eu rejeito a praxe numa frase: porque é que a praxe existe? Porque sim!

Originalmente publicado na Mafia da Cova

3 comentários:

  1. POis mineiro foi uma tirada muito longa e cheia de lugares comuns e contrasensos

    Esta (re)implantação foi acompanhada pela tomada das Associações Académicas pelas juventudes partidárias do PS e do PSD?

    as do P.C.P também nada fizeram para banir as comissões de praxe

    e em évora associações de mete o dinheiro no bolso sem cor partidária promoveram eventos de massificação praxista com o fito
    de os caloiros pagarem as quotas da dita associação
    já que os restantes anos são por natureza omissos
    e mil ou os actuais 500 ou 600 caloiros a 15 euros sempre são mais 9000 euros a juntar aos 50 mil de subvenções
    dantes um bom líder conseguia espremer 5000contos de uma associação
    durante um mandato numaU.Eborense U.B.I ou outra universidade interiorizada
    em Lisboa Coimbra e Porto houve sempre mais dinheiro

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  2. O MINETEIRO DA GARDUNHA25 de outubro de 2010 às 15:43

    E ESTES TIPOS DA ESQUERDA MODERNA ONDE É QUE FAZEM AS COMPRAS? ONDE COMPRAM A SUA ROUPA DE MARCA? NOS "HIPERES":) É ONDE EU OS VEJO NÃO OS VEJO NO COMÉRCIO TRADICIONAL, NEM NOS MERCADOS.
    ESTE TEXTO SÓ FOI ESCRITO PARA ESTE FULANO DIZER QUE ANDA NA UNIVERSIDADE.

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  3. "Numa Universidade livre a praxe não tem de existir."

    onde entra a liberdade nisto?

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