27 de outubro de 2010

"Pepsi ou Coca-Cola?"

“O PSI-20 encontra-se a negociar em terreno negativo depois do rompimento das negociações do Orçamento de Estado tornada pública esta manhã por Eduardo Catroga e pelo Ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, com consequente subida de 20 pontos base para 5,781% na “yield” da dívida portuguesa a 10 anos.” (Jornal de Negócios)


“Os sociais-democratas têm prevista para hoje à tarde uma reunião da Comissão Política Nacional. À hora dos telejornais, o PSD anunciará uma posição formal sobre o assunto. A posição final, sabe o PÚBLICO, dependerá da reacção dos mercados às notícias das negociações falhadas.” (Público)


Ao longo da novela das negociações para o OE 2011, os grandes arautos da suma racionalidade do mercado encenaram um conjunto de actos à partida contraditórios com o seu dogma de que não faz mal nenhum as dinâmicas dos mercados financeiros condicionarem/determinarem as decisões de política económica porque, se lhes forem criadas as melhores condições, porque são a mais eficiente forma de alocação de recursos, tudo eventualmente correrá pelo melhor.

Só que, desde a sugestão de há uns dias de renegociar o défice com Bruxelas ao anúncio de Catroga do falhanço das negociações (sem esquecer todos os think tanks e aglomerações de economistas de orientação social-democrata que não se têm coibido minimamente de classificar como recessivas as medidas de austeridade), vemos que nem tudo vai bem no melhor dos mundos possíveis da despolitização da decisão económica.

O problema de Passos Coelhos e do PSD com o OE não se reduz a divergências sobre política económica. Há uma dimensão táctica, da esfera do estritamente político, que não tem como ser (pacificamente) traduzida ou articulada nos sinais dados ao mercado. As motivações e estratégia políticas de Passos Coelho não são do domínio do mercadorizável e, nesse sentido, vemos já como uma construção institucional de mercado armadilha os seus próprios defensores: da mesma forma que um Orçamento de um Estado institucionalmente confinado a agradar aos mercados não tem muito por onde escolher – como descreve Friedman, “é Pepsi ou Coca-Cola” –, também a oposição vê a sua capacidade de negociação, e, nesse sentido, o seu capital político, esvaziados pela mesma chantagem.

Não é que Passos Coelhos e o PSD não saibam as consequências que para o financiamento da economia portuguesa (da dívida soberana ao acesso das empresas e famílias ao crédito) tem agitar as águas das negociações com sugestões de que as medidas de austeridade contidas no OE podem não ser aprovadas. Claro que sabem lindamente que o funcionamento mecanicista do projecto institucional que advogam resulta no encarecimento do financiamento obtido nos mercados a cada sinal de instabilidade política. Mas politicamente o PSD não se pode colar ao PS e, tacticamente, Passos Coelho deve ser contraponto a Sócrates.

Da dependência relativamente ao mercado só resulta o esvaziamento do significado político das escolhas. A circunscrição das margens de negociação significa o cilindrar das diferenças politicamente significantes entre as forças partidárias envolvidas nas negociações. Isto é mau para qualquer táctica política, mas acima de tudo, como é óbvio, é muito mau para a democracia.

1 comentário:

  1. Mais um post excelente! É uma alegria encontrar aqui escrito por outros o que vai na nossa cabeça. Porque aqui as ideias que temos aparecem reflectidas com boa estruturação, a cadência certa, a sistematização do pensamento promovida por quem tem o virtuosismo do discurso elaborado. Bem hajam! Ainda bem que há intelectuais de esquerda :)

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