21 de maio de 2010

Partido e Movimento - Uma questão de Racionalidade

Um espectro assola todo o mundo - o espectro do abstencionismo! Personalização da intervenção política, subordinação das ideologias. A economia comanda a política – eis a raiz da tecnocracia.

Sendo esta a realidade, coloca-se a questão de saber como pode ela ser alterada, isto é, existirá alguma forma alternativa de motivar, mobilizando, a sociedade civil para a intervenção política? Creio que a questão essencial só poderá ser analisada e por consequência transformada, se atentarmos nos vários tipos de racionalidades possíveis de empregar na intervenção política.

A intervenção política obedece sempre a uma certa racionalidade. A “racionalidade exprime uma relação entre dois pólos, a saber, entre uma determinada conclusão (uma decisão) e certos pressupostos, sejam eles materiais (fundamentos, causas, fins) ou formais/procedimentais (regras procedimentais) que articulados sustentam aquela conclusão, conferindo-lhe um sentido, explicando-a ou justificando-a”.

A intervenção clássica é aquela que é desencadeada pelo Partido. Assim, um grupo institucionalizado, munido de regras de organização e funcionamento internos, dirige-se a um auditório (as massas) tentando convencê-lo das virtudes do seu projecto político. A racionalidade do Partido é, portanto, uma racionalidade pragmática, instrumental, finalística, ou seja, o objectivo deste modo de intervenção é o de garantir o maior convencimento possível de pessoas (o fim/resultado), para que assim, o partido se torne maioritário socialmente (efeito principal) e por decorrência, proceda às alterações que o seu projecto ideológico preconiza (efeito secundário). Porque pressupõe uma relação sujeito/objecto com as massas, a intervenção política do Partido reconduz-se muitas vezes na subjugação dos ideais que norteiam o grupo, a eventuais resultados eleitorais (os valores são instrumentalizados em função do resultado pretendido). Tudo porque o Partido é uma organização que visa sempre o alcance do poder (pragamatismo). Está bem de ver, portanto, o papel secundário que assumem neste contexto as massas e o projecto de transformação política propriamente dito. O Partido é o sujeito principal.

Talvez para os mais cépticos não exista outra (ou melhor) forma de intervenção política que não a que é desencadeada por intermédio do Partido. Dirão uns que o que acima se diz não caracteriza o Partido em si, mas sim os problemas que actualmente os partidos enfrentam. Outros dirão que não existe outra forma de intervenção que potencie a transformação social sustentada e coordenada que não a intervenção prosseguida pelo Partido.

A verdade é que, por todo o Mundo, se têm generalizado formas de intervenção política diferentes daquela, sendo a mais frequente a dos movimentos político-sociais. O movimento político é, pois, a aplicação na prática do conceito de cidadania, sendo a racionalidade da sua intervenção política de cariz axiológico e teleológico. Assim, grupos de cidadãos, assumindo a defesa de valores (axiomas) que julgam essenciais”, unem-se (constroem uma maioria social), de forma “desinstitucionalizada", tendo como fim (telos) a efectivação daquele(s) valor(es). É, pois, o fim em vista que distingue o movimento do Partido. Este visa em primeiro lugar o poder e por seu intermédio a transformação social. Aquele apenas esta transformação.

Os movimentos político-sociais podem assumir uma dimensão global, sectorial ou residual. Acontece, porém, que a história nos tem mostrado que aqueles movimentos que assumem uma dimensão global tendem a actuar como o Partido. Já os de dimensão sectorial podem reconduzir-se em último caso, a pequenos feudos medievais, refém de interesses por vezes de classes profissionais (aproximando-se aqui dos sindicatos) e marginalizando o interesse geral. Já os movimentos residuais, aqueles que surgem para dar resposta a um problema concreto, exacerbam a principal crítica que o Movimento suscita: o carácter momentâneo, desconexo e por isso, inorgânico da intervenção política do Movimento.

Saber se o pragmatismo e finalismo da intervenção do Partido pode ceder em face da axiologia e teleologia do movimento e se o movimento, pode ou não, institucionalizar-se relativamente, constitui a resposta essencial desta reflexão. Equilíbrio de racionalidades, diria. Alguém conhece um Partido-Movimento?

2 comentários:

  1. Gostei. Não concordei totalmente, talvez apenas por uma questão de linguagem. Terei de ler mais atentamente. Entretanto, re-publico uma nota que escrevi nesta área temática.
    O partido-movimento, partido de tipo novo, qual será? ;)

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