Nestas coisas da crise há sempre um lado do fantástico que normalmente escapa à aspereza dos gráficos negativos e à verborréia jornalística. A meu ver é o lado da vivência íntima e arrebatadora dos investidores financeiros, dos altos apostadores da roleta bolsista, enfim, da fina nata capitalista, pois se observarmos bem é ou não é uma vida de aventuras? Imaginem as doses cavalares de adrenalina a cada sobe e desce das acções, o delírio alucinante da acumulação imparável, o travo gutural amargo de cada perda, ou melhor, a efevercência quase animal da aniquilação dos concorrentes. Pura vida nas veias. É isso a burguesia contemporânea, tem horror à repetição e à regra, a rotina da produção dá-lhe azia. Bem vistas as coisas é um regresso ao passado, uma imitação burlesca de Drake a desbravar os mares numa aventura contínua. Hoje os títulos da dívida portuguesa, amanhã os seguros de saúde americanos, depois o mundo, não há fronteiras, é um tempo suspenso ao sabor do sonho aquisitivo.
Já alguém uma vez disse que “a não-contemporaneidade é uma das facetas da crise: a redescoberta do século XIX, a procura da mobilidade completa da força de trabalho – dispensando os sindicatos – evoca saudosamente Disraeli, desafia cento e cinquenta anos de guerrilha e revoluções sociais que foram impondo o sufrágio universal, a segurança social, o horário das oito horas, o subsídio desemprego – aí temos o passado à conquista do futuro.” E que melhor retrato dessa conquista que o do investidor que, depois de lançadas as ultimas cartadas financeiras do dia, ressona folgadamente, sonhando usar o seu chapéu de pirata no comando de uma armada de correctores e analistas financeiros por um mar de títulos e acções na conquista infinita do mundo?
Bem, há também a vida estilhaçada dos que sofrem com a crise, mas essa é de uma chatice inenarrável.
como sempre me questiono ontem se encontra a revoluçao da educaçao, vamos continuar a ter pessoas lecenciadas que não sabem ler nem escrever....
ResponderEliminarEste texto é brilhante. Condensa em poucas linhas o espírito do tempo, talvez o maior embuste desde que se trocaram guizos por ouro alí para os lados do Golfo da Guiné.
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