29 de março de 2012
Vénus Negra, violência de género e black is beautiful
Venus Noire (Kechiche, 2009), um filme marcante. Fica a dica que não é um filme para "encontros". Não apenas pelos seus 166 minutos mas também pelo tema, pela sua violência de envergonhar muitos filmes de guerra e de combate. "Horror" foi a palavra que mais ouvi em nos comentários à saída do filme. E é uma palavra bem aplicada pois aqui a violência é encarada numa vida concreta: a vida de Saartjes Baartman, a Vénus Negra (papel desempenhado por Yahima Torres). O autor presta-se a liberdades artísticas que não ferem, antes potenciam, uma aproximação ao que foi a vida desta mulher e ao espírito da sua época.
Sinopse: Chegada à Europa, depois de viajar por toda a Inglaterra em espectáculos de aberrações, é estudada por alguns dos mais conceituados naturalistas e anatomistas da época, que usaram as suas investigações para justificarem a inferioridade dos negros, num esforço claro de legitimação do racismo e escravatura. A 29 de Dezembro de 1815, Saartjie Baartman morreu alcoólica e na miséria. O seu corpo foi doado ao Musée de l’Homme de Paris, onde o seu esqueleto, órgãos genitais e cérebro foram conservados em formol e exibidos até 1974. Em 2002, a pedido do então Presidente sul-africano Nelson Mandela, os seus restos mortais regressaram ao seu país, onde foi feita uma cerimónia fúnebre. (cito Cineclube de Santarém)
Apesar de toda a violência, da degradação e das humilhações, houve momentos em que o ideologicamente dissonante "Black is beautiful" surge com toda a evidência, embora por outras palavras e gestos. A ambiguidade da forma com é tratada também é outro aspecto marcante, sempre entre a "selvagem" e "a dama civilizada".
Ficaram-me na memória as cenas em que a música tocada e cantada por Saartjie causa grande espanto aos espectadores. Cantar e tocar melodiosamente causa um choque, uma quebra com a imagem de "selvagem" que lhe é atribuída. Causará culpa/arrependimento ouvir a música de Saartjie?
A crueza do "racismo científico" é bem retratada nas cenas dos cálculos antropomórficos e das recusas de Saartjie em mostrar os seus logos lábios da genitália (característica física de algumas Khoisan).
O problema da mulher, particularmente da mulher negra, e do direito ao seu corpo forma uma trave fundamental deste filme. Várias formas de violência de género são retratadas. A não perder, mas respirem fundo.
Ver críticas de Vasco Câmara, Luís Miguel Oliveira e Jorge Mourinha (Ípsilon)
trailer oficial legendado
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