27 de junho de 2011

Que inveja dos meus pais.





Os bons filmes são os que nos arruínam o dia, que se prendem ao nosso pensamento e nos impedem de tratar das coisas tão chatas e necessárias da vida. É por isso que, hoje, ir ao cinema é uma derrota. É a escolha de quem já não aguarda com anseio as estreias da semana, apenas mantém a esperança de que alguns filmes sejam tragáveis e capazes de nos despertar, por alguns minutos, um alvoroço interior. Cada vez mais raras as vezes em que a respiração se suspende ou os olhos se inebriam no escuro acolhedor da sala.


Ainda há resistentes. Kusturika, Woody Allen, Fernando Meirelles, Paul Thomas Anderson, Tarantino, Ken Loach, Clint Eastwood, Iñárritu ou um revigorado Coppola, capazes ainda de romper a teia comercial e de chegar ao lugar que lhes pertence: a tela de uma grande sala de cinema. Mas a mediocridade venceu. Imperam os filmes banais feitos da mesma receita, com personagens bidimensionais presos a dilemas ordinários e que se libertam na purificação de um final feliz mesmo quando triste. Carros, namoros e piratas, numa mesmice insuportável e aborrecedora.


Resta o refúgio dos filmes entalados à tela do computador ou ao ecrã da TV. É por aí que conseguimos alcançar a emoção de um cada vez mais vibrante cinema brasileiro e mexicano, enternecermo-nos com as obras de Abbas Kiarostami e Samira Makhmalbaf, bem como ser abalroado e dilacerado por um Gaspar Noé. Enquanto isso, no cinema ao lado a escolha é entre velocidade furiosa 17 e Bridget Jones encontra os Piratas das Caraíbas.


Podíamos, eu sei, falar das cinematecas, dos ciclos de cinema, das bibliotecas públicas, mas concentremo-nos, este texto não trata de política cultural ou do estado geral da intelectualidade do português médio, este texto é pura inveja e maledicência. Inveja dolorosa dos meus pais, que viram os filmes do Bertolucci em salas que se abarrotavam de pessoas atentas e que, ingénuos, nem celebravam a inexistência do ruído das pipocas, que enfrentavam o dilema de ver A classe operária vai ao paraíso ou Laranja Mecánica, e acabavam por ver os dois, que se identificavam com a obra de Costa-Gavras e que projectavam boa parte do futuro na construção de Eric Rohmer. Tolos felizes. Pensavam que duraria para sempre.

3 comentários:

  1. A classe operária vai ao paraíso... grande filme!

    Também gosto muito do... «pão e chocolate» sempre com o grande Nino Manfredi!

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  2. Gostei do texto. Se me é permitido, apenas acrescentar o seguinte: destacar o papel desempenhado pelos cineclubes espalhados pelo país, que fazem um trabalho absolutamente notável, de genuíno serviço público.... e, na esmagadora maioria dos casos, com salas bem compostas.
    Abraço!

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