O PS chumbou o voto de solidariedade com a luta democrática do povo egípcio, apresentado no Parlamento pelo Bloco de Esquerda. O inefável Francisco Assis, que desde uns tempos a esta parte assumiu a cátedra de Santos Silva no malhanço à esquerda, contorceu-se, tomou a peito a proposta e disse o já sabido: ninguém dá lições de democracia ao PS. Se a informação da expulsão de Mubarak da Internacional Socialista (IS) se perdeu nos meandros burocráticos do Largo do Rato ou se a direcção da bancada socialista se fez rebelde à linha histórica do partido, contrariando o princípio tão Soarista de que "tudo o que entra sai", é coisa que não sabemos. Mas o seu voto, esse sabemos qual foi, e ele diz-nos mais sobre o estado actual da social-democracia do que a constatação, sempre azeda mas tão corriqueira, de que o cinismo político é moeda corrente para esses lados.
A verdade que nos revela a posição da IS é a de que a social-democracia europeia desistiu da política da inocência. Quem consultar a história da IS no final da década de 70 e retomar as suas teses sobre a América Latina percebe que, nesse tempo, a pedra de toque da organização era a “democratização”. Quais os verdadeiros objectivos de Willy Brandt ou Olof Palmer na organização da geopolítica mundial são outras histórias. O que importa é que o apoio da IS ao PDT de Brizola no Brasil, a Alberto Monge na Costa Rica, a Guillermo Ungo em El Salvador ou ainda, brevemente, ao Governo Sandinista (embora neste caso, Mário Soares logo tratou de se esquivar), alicerçava-se no elã democrático, no princípio do impulso popular para a transição democrática. E não podia ser de outro modo. Com partidos socialistas ainda frescos no poder das jovens democracias do sul da Europa, a democratização era toda ela um programa, uma justificativa e um caminho político. Não havia espaços para contradições, era preciso, mais do que ser, parecer.
A expulsão de Mubarak da IS é, podemos dizer, uma decisão cínica de quem já não se importa muito com a estética da coisa e só quer arrumar a questão – assunto encerrado, não se fale mais nisso. O que a direcção da IS não pode negar é que a saída de Mubarak transporta consigo a pergunta que não quer calar: por que chegou a entrar? E, nesse ponto, não há linha ou justificativa que segure a sua posição, que se esfarela no ridículo político. É certo que a IS, hoje, pouco mais é do que um adorno de um campo político que escolheu a cedência neoliberal como itinerário estratégico e que o próprio PS já não desespera pela ajuda financeira dos camaradas europeus, como no período de 1975-80. Mas é preciso perceber desta mecânica política que, onde a IS foi cínica, o PS foi camarada, quando a IS expulsou, o PS abraçou, protector.
Esperemos que a brisa instável dos acontecimentos não desvie a mensagem de Fransico Assis para Mubarak, com amor.
"Não havia espaços para contradições, era preciso, mais do que ser, parecer."
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