A redução da responsabilidade social do Estado atinge o apogeu desde o 25 de Abril, já que, com Bolonha, sub-financiamento e RJIES, a perspectiva do governo sobre o ensino, que é visto mais como um negócio do que como um bem público, é por demais evidente. Os economistas neoclássicos consideravam o conhecimento como um bem público; hoje, contudo, a relação entre Estado e Ensino Superior (ES) é repensada à luz de direitos e interesses privados e de satisfação da fome de quem procura lucrar com a retirada da democracia e da qualidade das Universidades.
Nos anos 80, e sob grande influência dos EUA, as autoridades públicas começaram a encorajar as Universidades a patentear as descobertas e a aumentar as propinas, ao mesmo tempo que o financiamento era substancialmente reduzido e que eram impostas normas de gestão privada. A força motriz era a alma do negócio: não podia permanecer na esfera pública o que podia tão facilmente dar lucro e, fosse a que preço fosse, a cara privatização progressiva teria de ser iniciada.
Se dantes o ES era controlado pelo Estado, hoje é simplesmente supervisionado por ele. As IES contam hoje com mais com mais autonomia e o Estado regula-as à distância. Devido a uma ideologia que pretende fingir que tudo o que é público é ineficaz e pouco produtivo, ao invés do que aconteceria na esfera privada, as ideias neoliberais emergiram e espraiaram-se no campo das relações entre o Estado e o ES. Falta, contudo, provar a superioridade e a legitimidade dos modelos de gestão privada na Universidade que se quer pública, democrática e de qualidade. Convém não esquecer que a Austrália, onde cedo se enveredou por políticas neoliberais, está hoje a inverter o caminho nesta área.
O processo de privatização da esfera pública começou, contudo, muito antes de assumirmos completamente que a UM ia passar a fundação. Começou antes de haver uma decisão democrática sobre esta passagem. Começou quanto foi exigido que as assembleias estatutárias incluíssem membros cooptados, facto que em absolutamente nada contribui para a qualidade do ensino que a Universidade oferece. Por provar estará também a legitimidade dessas “personalidades” de reconhecido “mérito” terem uma voz tão audível na definição das políticas educativas e na vida real das escolas, tirando a voz democrática a quem, com toda a legitimidade, a devia ter. A gestão democrática, só neste âmbito, leva uma facada: estes membros não têm qualquer representatividade democrática e representam instituições que não estão minimamente ligadas ao âmbito pedagógico.
No meio disto tudo, importa aquilo que é óbvio: as empresas não são democráticas, as empresas procuram lucro. Daí que seja natural que se desconfie de que o que está em causa não é a qualidade e a democracia do ensino, mas o seu carácter de inglório genésico de lucro e o proveito económico a ser tirado daqui.
Não há, portanto, qualquer dúvida quando se afirma que a passagem da UM a fundação de direito privado será um passo em frente na guerra que o capitalismo trava com os direitos e um passo atrás na qualidade e na democracia do ES, direitos outrora tidos.
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