31 de janeiro de 2011

Os espelhos, as desconstruções e os incómodos.

Olhando para a história, e para a história das opressões e das emancipações, que a Esquerda tanto reclama conhecer, interpretar, e que tanto orgulho tem em dizer: "nós soubemos evoluir, (re)interpretar as opressões e explorações; nós não ficámos presos na história; soubemos aplicar o melhor do Marxismo, que é a perspectiva de leitura sobre o real, e sobre as dominações e as relações de força dos nossos tempos", vemos que o contributo das Ciências Sociais foi enorme. A sociologia, a história, a antropologia, a economia deram enormes contributos para a desconstrução daquilo que nos parecia (e parece) visível e inevitável, mas que na verdade não era tão visível nem tão inevitável quanto isso. A história das Ciências Sociais também uma história de desencantos, mas é, por outro lado, e sobretudo, uma história de avanços e de contributos para o desenvolvimento das sociedade e para emancipação dos dominados em tantas e tantas frentes.

Espanta-me, por isso, que tanta gente de Esquerda e politicamente lúcida, não compreenda por exemplo porque é que a Sociologia era proibida no fascismo. Espanta-me, por exemplo, uma certa tendência que muitos à Esquerda apresentam para renegar os contributos das Ciências Sociais para os avanços e transformações sociais. E espanta-me, ainda mais, um certo desprezo encapotado que tantos à Esquerda têm pelas Ciências Sociais afirmando-a que estas não têm grandes contributos a dar para a compreensão do Mundo, da realidade, das relações de força e de dominação. Quero acreditar que é por desconhecimento… mas não sei se acredito.

Contudo, a economia é considerada como estando sempre fora dessas "ciências sociais que não têm grande coisa a dizer", como se, na verdade, não houvesse (e não fossem predominantes) pensadores economistas liberais e que estão na base do statuo quo. Na verdade, os economistas sempre tiveram um espaço intocável na política portuguesa e não é por isso que continuamos a andar a passo de caranguejo. Como em tudo, há bons e maus economistas, como há bons e maus antropólogos, como há bons e maus sociólogos, como há bons e maus historiadores. A questão é falaciosa, porque o problema não é a especificidade da ciência, mas o destino dos conhecimentos que ela produz.

Boaventura Sousa Santos ganhou uma bolsa de 2,4 milhões para um projecto chamado "Alice: Espelhos Estranhos". Muito basicamente o projecto centra-se na promoção de auto reflexividade da Europa, não com base nos seus olhares e perspectivas, mas com base nos espelhos que a Europa deixou historicamente no Mundo, ou seja, é uma imagem devolvida. Será Boaventura Sousa Santos um perigoso teórico reaccionário ao serviço da burguesia? Será um teórico social que não passa de um académico e numa perspectiva interventiva nenhum contributo tem a dar? Ou será que Boaventura Sousa Santos disputa diariamente a hegemonia do conhecimento oficial, das lógicas de pensamento instituídas, que são a base da ordem dominante que legitima a inevitabilidade, o determinismo e as relações desiguais de força na sociedade?

Na verdade, a disputa faz-se em todos os campos. E ser-se Marxista, ou ter-se sobre o Mundo um ângulo de análise Marxista, implica abandonarmos qualquer tipo de arrogância intelectual. Implica saber olhar o Mundo na sua complexidade, saber descodificar os sistemas de dominação, o simbolismo da opressão e as visões oficiais de pensamento. Ter-se uma perspectiva Marxista sobre o Mundo implica saber lê-lo, avaliá-lo, descontrui.-lo para o podermos transformar com todas as armas que temos, com todas as armas que temos a capacidade usar. E as Ciências Sociais são uma delas, quando usadas com uma perspectiva crítica e transformadora. É estranho que Ciências que incomodam tanto o poder incomodem ainda mais quem o tenta transformar.


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