30 de janeiro de 2011

Liberalismo e as lições chilenas

O “plano” aplicado no Chile teve um resultado imediato: assassinadas mais de 3.000 pessoas. A nível económico, os “boys” de Chicago decidiram fazer uma privatização quase completa dos sectores públicos.

A Justiça chilena vai, pela primeira vez, analisar as circunstâncias da morte de Salvador Allende em 1973, quando as tropas de direita lideradas por Pinochet tomaram o poder. Juntando a outros 725 casos de violação dos direitos humanos, o juiz Mario Carozza irá ter uma responsabilidade acrescida em julgar o que foi, para muitos sectores da esquerda, um assassinato.

O golpe de Estado do Chile ocorreu num contexto de largo apoio popular ao primeiro chefe de estado marxista eleito num sistema de democracia parlamentar. Respondendo às reivindicações do movimento popular, Allende nacionalizou grandes empresas produtivas nacionais expropriando a burguesia chilena e internacional, atacando directamente a elite económica que esmagava milhões de chilenos pobres.

A resposta da burguesia chilena, aliada a grandes lóbis internacionais com interesses na manutenção da situação de exploração extrema, foi das mais violentas da História. Depois do golpe apoiado por sectores da inteligência americana, o poder foi tomado pelos militares com a tutela da economia oferecida a uma corrente então minoritária da teoria económica: a Escola de Chicago de Milton Friedman. Descrita por Naomi Klein como uma doutrina de choque, o “plano” aplicado no Chile de repressão a todos os níveis, teve um resultado imediato mais óbvio: assassinadas mais de 3.000 pessoas e o desaparecimento de mais de 30 mil.

Mas a nível económico, os “boys” de Chicago decidiram fazer uma privatização quase completa e violentíssima dos sectores produtivos públicos. Isto transpôs-se não só na privatização de grandes empresas estatais de, por exemplo, exploração mineira, mas também na privatização do sistema de segurança social. Até aos dias de hoje, o Estado chileno tem de compensar a desvalorização tremenda das reformas de milhões de chilenos, perdidas no casino internacional das bolsas de valores. O capitalismo não só não conseguiu transformar a segurança social num sector “lucrativo”, como queriam, como brincaram com a vida dos chilenos, privando-os de uma segurança social de facto segura.

Pouco depois, nas décadas de 70 e 80, esta mesma política de desregulamentação dos serviços públicos ensaiada no Chile foi aplicada nos EUA e em Inglaterra, na era Thatcher e Reagan. Apesar da administração americana nunca ter estado directamente envolvida na escolha da doutrina económica aplicada no Chile, também nunca esteve interessada em democratizar o Chile (ao contrário do Iraque, por exemplo), provando que sempre preferiram um ditador de direita a um democrata de esquerda. Esta onda de expansão do neoliberalismo levou a uma espiral de privatizações e desresponsabilização do Estado nas políticas sociais que eventualmente foram uma das causas da crise financeira desencadeada em 2007.

Mas a lição do fracasso das políticas ultra-liberais da Escola de Chicago não foi aprendida. Apesar do falhanço completo em transformar o Chile num estado-modelo a nível de crescimento económico com um Estado pequeno, hoje em dia as várias correntes liberais expandiram o seu poder e a sua hegemonia política, económica e cultural. Com a submissão completa à especulação criminosa dos sempre nervosos “mercados”, os Governos do PS e do PSD fizeram a vénia à doutrina neoliberal, incrivelmente dizendo que só assim se pode defender o Estado Social. Hoje, está na ordem do dia a venda ao desbarato de sectores do Estado como a ANA, mesmo sendo lucrativos. A gradual privatização do SNS, do Ensino Superior e as propostas mais ou menos mal-encapotadas do PSD de privatização da segurança social são hoje bandeiras da Direita, mas não só.

Esta semana no Parlamento, Teixeira dos Santos disse respondendo a Paulo Portas, "os governos do PSD/CDS-PP é que não fizeram qualquer esforço de privatização", enquanto defendia as privatizações realizadas pelo Governo em 2011. O PS está oficialmente a concorrer com a direita para saber quem destrói mais o Estado, quem está mais à Direita.

Podemos agora pensar se a História é de facto, cíclica. Será que o capitalismo consegue superar as suas contradições e aprender com os seus erros? Será que o futuro que se adivinha cada vez mais próximo nos promete a doutrina de Friedman e a destruição das conquistas sociais e políticas que custaram a vida a milhares de lutadores de esquerda? Parece-me que sim, e a questão agora, é saber se conseguiremos construir uma resistência social que ganhe, ou se seremos esmagados pela hegemonia neoliberal.
Publicado em Esquerda.net

9 comentários:

  1. Sendo filho de pai chileno, tenho a dizer que este texto é dos mais sinistros que já li. Lavagem cerebral é realmente uma coisa poderosa.

    Em 1972, um ano antes do assassinato de Allende, o Chile tinha a segunda pior economia da América Latina, com uma inflação que chegava aos 500%.

    Ninguém no seu perfeito juízo defende o governo sanguinário de Pinochet. Ninguém no seu perfeito juizo associa liberalismo com repressão, perseguiçao e assassinatos...

    Mas observando friamente a história, o Chile desde há 20 anos tem vindo a privatizar muito do sector público com óbvias melhorias económicas. Actualmente é dos países da América Latina mais desenvolvidos, contrariamente aos modelos socialistas como a Bolivia e Venezuela.

    O chile tem vindo a crescer e as medidas têm sido no sentido de liberalizar a sociedade e a economia. Actualmente, O Chile é considerado um modelo para países como a Argentina, Uruguai, Peru e até mesmo Brasil (embora este goste-se de disfarçar de socialista). O sentimento de liberdade que se vive no Chile actualmente não tem comparação com a Bolivia e a Venezuela, esses sim com governos repressivos e autoritários.

    O mesmo modelo económico foi aplicado em Hong Kong e que se saiba não morreram pessoas por causa disso, ao contrário do que acontecia na socialista China.

    Associar liberalismo com um regime repressivo e autoritário é pura ignorância. Este é dos texto mais estúpidos que já li. O capitalismo não mata pessoas. Quem mata são governos imorais e autoritários. E quem defende grandes governos não são os liberais... Também os Liberais não defendem a intervenção de governos noutros países tal como aconteceu com os Estados Unidos neste caso...

    Peço desculpa mas considero este texto de um aproveitamento ideológico imoral. E o Sr. Rodrigo Rivera devia ser mais rigoroso nas análises que faz.

    André Parra

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  2. Realmente se há país que é um bom exemplo de como medidas liberais ajudam, é o Chile. É ver onde estava há 15 anos e onde está agora.

    Só os socialistas é que não percebem que mais liberdade é o sentido.

    E gostaria que o autor do post dissesse onde existe actualmente um sistema de Segurança Social seguro e proporcional aos descontos dos cidadãos... Deve conhecer países que eu nao conheço. Até os países nórdicos estão a passar por grandes dificuldades na segurança social...

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  3. Mais neoliberalismo é que salva o Estado Social? É como dizer que mais sangrias é que salvam o anémico!

    Pois é, o Chile, a Argentina, o Brasil säo exemplos ottimos de como medidas económicas liberais ajudam. Ó se säo! Há 15 anos era um fartar vilanagem de roubar do povo, mas em 2000 o povo amordaçado veio para as ruas, e colocou no poder "perigosos esquerdistas" que recuperaram o Estado Social, com benefícios enormes. Lagos (e depois Bachelet), Kirchner, Lula passaräo à História como os presidentes que trouxeram os benefícios do crescimento económico a *todos* os cidadäos, especialmente aos mais pobres. E demonstram que o que é necessário é *menos* liberalismo económico e mais Estado Social!!!

    Só os fanáticos religiosos do neoliberalismo é que não achindram.

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  4. Ninguém falou de neoliberalismo. E muito menos ninguém falou de neoliberalismo salvar o Estado Social.não seja fanático Maquiavel, já que ser estúpido não consegue evitar...

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  5. André Parra,

    Folgo em saber que tem pai chileno. Ambos os meus pais são da América do Sul.

    No entanto, tenho de dizer que ser filho de pai chileno (ou mesmo de Chicago) não dá créditos de historiador a ninguém, e o teu post prova-o certamente.

    O povo chileno elegeu Allende e defendeu-o até ao fim por alguma razão. Porque eram todos parte de uma rede gigantesca de clientelismo subsidiária do Estado? Não. Porque eram todos camaradas do Partido? Não.

    Tal como o "Socialismo real", o liberalismo andou, e sem problemas éticos nenhuns, de mãos dadas com a repressão, a tortura e o autoritarismo. Até porque o liberalismo defendido por Friedman, com um Estado minoritário e não-interventivo, não abdica do aparelho repressivo do Estado, e portanto, também não abdica da repressão em massa se necessário.

    Obviamente que o Chile foi um caso à parte, um laboratório perfeito para os Chicago Boys porem à prova as suas teorias económicas aritmeticamente perfeitas e socialmente desastrosas sem medo de levantamentos populares: seriam todos esmagados sem tréguas e sem culpas postas na doutrina económica.

    Pensei em dar outro nome ao post, e os vossos comentários reforçaram essa minha vontade. Porque as lições não foram aprendidas, "O Capitalismo não aprende". E não aprende porque não quer aprender, porque a reprodução do status quo societário da acumulação de capital em detrimento da emancipação beneficia uma classe, que tem hoje uma ideologia com várias faces, mas todas de uma violência social incrível: o liberalismo.

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  6. Pode dizer onde se baseia para afirmar que o liberalismo "não abdica do aparelho repressivo do Estado"? Essa é das coisas mais incriveis que já alguma vez li...

    André Parra

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  7. terceiro parágrafo,

    "Descrita por Naomi Klein como uma doutrina de choque, o “plano” aplicado no Chile de repressão a todos os níveis, teve um resultado imediato mais óbvio: assassinadas mais de 3.000 pessoas e o desaparecimento de mais de 30 mil."

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  8. Ser apelidado de estúpido por gentalha anónima desta laia deve ser o maior elogio que podem fazer a mim e a qualquer outro democrata!
    E como tal, MUITO OBRIGADO! :D

    Rodrigo, é verdade, o capitalismo näo aprende. Veja o comentário deste anónimo referido acima. O capitalismo neoliberal näo aprende porque os seus defensores tomam-no como dogma, passou de teoria económica a religiäo. E como se sabe, dogmas religiosos näo se discutem.

    André Parra, o liberalismo económico em sentido lato pode abdicar do aparelho repressivo do Estado? Pode, mas näo era a mesma coisa...
    Os únicos a abdicar da máquina repressiva do Estado säo as sociais-democracias, onde por via da verdadeira concertaçäo social democrática se chegam a soluçöes que evitem crises sociais.

    Já o neoliberalismo näo consegue abdicar (veja-se o Chile de Pinochet) porque é o modo de abafar revoltas contra medidas impopulares, porque mais uma vez, o neoliberalismo näo se discute nem se sufraga, impöe-se.

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  9. Caro André veio perder tempo para o lugar errado. Lógica e factos não entram aqui.

    Caro Fernando, pode dizer que medidas liberais causaram a morte dessas pessoas?

    Nos anos 70 o Estado Chileno controlava cerca de 70% da economia. Agora é uma das economias mais liberais e um dos paises que mais cresceu nas ultimas décadas.
    Mas a esta gente não lhe interessa isso. Também podia dizer que os países nórdicos tem perdido qualidade de vida desde os anos 70, altura que o Estado cresceu consideravelmente, mas aí chamavam-me idiota...

    Até o Brasil tem adoptado medidas de privatização. Até a Dilma, essa esquerdista. Veja-se o caso dos aeroportos de Guarulhos e Congonhas. MAs isso não interessa. O que é bom é engenharia social, o estado controlar o povo e limitar a liberdade das pessoas... Isso é que é bom...Força camaradas

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