11 de janeiro de 2011

Cavaco, o bom aluno

Ao contrário do que diz Cavaco, Portugal tem sido um bom aluno. Condicionados por um pacto de estabilidade asfixiante e sem a rebeldia necessária para fazer frente aos mercados financeiros, parece que não nos resta outra coisa senão implementar as medidas de austeridade ditadas pela Comissão Europeia e pelo FMI, e esperar fazer boa figura perante os mercados financeiros.

A história está repleta destes exemplos de bom comportamento, países a quem foi prometido um lugar no quadro de honra das economias capitalistas "desenvolvidas" se soubessem implementar as receitas da cartilha: abrir as suas economias, liberalizar os mercados financeiros, privatizar bens e serviços públicos e manter as contas públicas debaixo de apertado controlo.

A Rússia é um bom exemplo. Entre 1991 e 1998, durante a fase de transição, foi alvo de uma "terapia de choque", orientada por peritos da economia ortodoxa que agora ocupam lugares cimeiros nas instituições económicas internacionais. Para além de terem contribuído para o desmantelamento das instituições democráticas do país, as medidas implementadas de liberalização dos mercados financeiros e contenção orçamental levaram a uma grave crise financeira e ao colapso da economia em 1998.

Não faltam outros exemplos de bom comportamento económico. A Argentina que, para agradar aos mercados e seguindo as regras dos mesmos "peritos", manteve uma paridade fixa com o dólar, abdicando da sua política monetária, e encetou um vigoroso plano de liberalização dos mercados, viveu uma das maiores crises económicas mundiais como resultado.

Também a Irlanda foi um aluno do quadro de honra, tendo seguido à risca as receitas dos especialistas: liberalizou os mercados e desenvolveu o sistema financeiro. Quando, por esse motivo, foi alvo de uma violenta crise, injectou milhões nos bancos e aplicou todas as medidas de austeridade receitadas. O resultado foi um agravar da crise, dos juros da dívida pública e do desemprego (14%).

Na mesma altura em que a economia Russa afundava, a Malásia reintroduzia o seu sistema de controlo cambial, contrariando as orientações dos peritos económicos. Apesar dos anúncios de catástrofe, o país escapou à grave crise que afectou a região.

Tal como na Malásia, o sucesso grandes economias asiáticas, como o Japão, Taiwan, a Coreia do Sul e mesmo a China, não se deve à sua capacidade para aplicar as receitas de abertura e liberalização dos mercados. Pelo contrário, está hoje provado que grande parte do seu desempenho se deve à intervenção do poder público e a medidas de carácter proteccionista.

À semelhança da Irlanda, também a Islândia entrou em crise devido à insolvência do seu sistema financeiro. Mas ao contrário do "tigre Celta", a Islândia não se comportou como um bom aluno. Desvalorizou a sua moeda e deixou os bancos privados falir, nacionalizando-os depois com o compromisso de garantia dos depósitos aos cidadãos nacionais. Por referendo, o país decidiu não reconhecer os compromissos dos bancos falidos com outras instituições no exterior. Os resultados já são visíveis: O PIB está a crescer e o desemprego mantém-se nos 7%.

A historia recente prova que a opção de renunciar às medidas da cartilha ortodoxa, desafiando os mercados financeiros e optando por soluções alternativas não acarreta custos tão elevados como nos querem fazer acreditar, pelo contrário.

Seria então de esperar uma maior resistência e oposição à implementação de medidas do género, nomeadamente em Portugal, onde também a ideia de austeridade como remédio inevitável para sair da crise ganhou fama.

A ideia de inevitabilidade do austeritarismo radica numa outra, a da naturalização da economia. A concepção da economia enquanto ciência natural que obedece a leis imutáveis - as leis do mercado - às quais nos temos que sujeitar, tem sido largamente defendida e difundida, tanto na academia como nos media, como forma de justificar a implementação de determinadas políticas económicas. Medidas como a liberalização dos mercados surgem assim, não enquanto uma opção política e ideológica, mas como uma necessidade “natural” da economia.

Desta forma, se a flexibilização dos mercados de trabalho e salários mais baixos são medidas necessárias para garantir eficiência da economia, e se isto é ditado por uma lei natural, não há nada que possamos fazer a não ser minimizar os seus efeitos na sociedade. O Estado serve então para garantir o funcionamento natural dos mercados e mitigar os efeitos nefastos que dele decorrem.

Ao exaltar o papel do “bom aluno”, Cavaco Silva está apenas a reforçar esta ideia de determinismo económico, a mesma que justificou as medidas implementadas na Rússia ou na Argentina. O poder democrático demite-se aqui de qualquer capacidade de transformação das estruturas económicas para funcionar como mero agente de caridade (sendo que mesmo essa, para Cavaco, deveria ser privada).

Como bom aluno, Cavaco Silva defende o austeritarismo porque não acredita num programa económico para o país e defende o Estado caridade, incapaz de impor objectivos democráticos acima dos interesses financeiros.


publicado no esquerda.net

1 comentário:

  1. "Tal como na Malásia, o sucesso das grandes economias asiáticas, como o Japão, Taiwan, a Coreia do Sul e mesmo a China, não se deve à sua capacidade para aplicar as receitas de abertura e liberalização dos mercados. Pelo contrário, está hoje provado que grande parte do seu desempenho se deve à intervenção do poder público e a medidas de carácter proteccionista."

    Isto não é verdade. Esses paises sempre tiveram medidas protecionistas, e embora continuem a ter, o seu peso já não é o mesmo de antigamente. O que mudou e que provocou crescimento económico, não pode ter sido por isso essas medidas proteccionistas. O ponto de viragem corresponde a uma abertura clara dos mercados e da competitividade interna,assim como uma forte liberalização do trabalho, e da estratégia especifica do estado a certos sectores (muito poucos quando comparados com portugal por ex.). Espanta-me que não mencione Hong Kong, que ainda sobre "jurisdição" chinesa teve um crescimento incrivel, só com uma carga tributária de 16%. O que aconteceu à china nos últimos anos foi basicamente seguir o exemplo, o bom exemplo.

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