11 de outubro de 2010

Estudante sem bolsa e precária

Conheci há uns anos uma rapariga chamada Joana. Vinda de uma família trabalhadora e esforçada, a Joana foi da minha turma durante o secundário. Foi uma das quatro pessoas da minha turma que continuou os estudos para além do 12º ano. Os meus restantes 29 colegas não ingressaram no Ensino Superior porque não tinham dinheiro. Não tinham dinheiro para continuar a estudar, nem nunca a sociedade as incentivou a continuar.

A Joana era até o ano passado uma estudante deslocada em Lisboa. Tinha como gastos correntes a renda, as contas, os manuais, os transportes, etc. A Joana só conseguia estudar porque trabalha num callcenter e recebia a bolsa mínima, que só chegava para pagar os 1000 euros de propinas anuais. A Joana trabalha num callcenter onde recebe 2,75 EUR por hora onde 60% do seu salário é roubado por uma Empresa de Trabalho Temporário.

Este ano a Joana vai perder a bolsa. A Joana vai sofrer na pele as consequências do decreto-lei 70/2010, que apesar da sua designação aparentemente complicada, vai, entre outras coisas, reduzir o valor e cortar provavelmente cerca de 20 mil bolsas. Sem a bolsa, a Joana não tem dinheiro para pagar as propinas. Ela vai ter de deixar de estudar.

A Joana, que só participou na última manifestação de estudantes, quer ir à manifestação de estudantes do ensino superior marcada para dia 17 de Novembro. Mas não pode ir. A Joana não pode porque estará a trabalhar a vender internet móvel, a cumprir funções permanentes, mas a recibos verdes.

A Joana também quer, obviamente, participar da greve geral de dia 24 de Novembro. Mas não participará. A Joana não pode fazer greve porque trabalha a falsos recibos verdes. Para uma crescente parte da população portuguesa, de que a Joana faz parte, a greve não é uma hipótese real. Greve significa despedimento. E despedimento significa não receber subsídio de desemprego ou qualquer apoio social. E com sorte ainda ganha "fama" nas empresas de trabalho temporário.

Todos os dias fogem 3 milhões de euros por dia em impostos não pagos pela banca, gastam-se milhares de milhões de euros em submarinos, equipamento miliar, blindados para a PSP. Há Joanas, Tiagos, Marias e Mários a deixar de estudar, a serem exploradas, despedidas, desprezadas, que estão a pagar as contas de uma elite irresponsável e corrupta do PS com D ou sem D.

Por isso, a mobilização para a manifestação de dia 17 de Novembro e sobretudo para a Greve Geral de 24 de Novembro é fundamental. Temos de lá estar todos e todas, a representar a Joana precária, a Joana estudante, a Joana desempregada, todas as Joanas exploradas de Portugal e do mundo.

Também publicado em Esquerda.net

3 comentários:

  1. enquanto isso milhares de pessoas deixam de estudar e começam a trabalhar aos 16 anos e pagam impostos, para os meninos dos pápás irem para o ensino superior até aos vinte e muitos anos... realmente é uma faca de dois gumes. o ensino superior não deve ser grátis para aqueles que têm dinheiro para pagar. eu trabalho desde os 17 anos e estou agora a terminar uma licenciatura com empréstimo do banco num universidade privada. enquanto vejo meninos de bmw na universidade publica a usufruir de ensino grátis e a comer por dois euros. porque não defendem benefícios do estado para aqueles que realmente precisam? porque tem que haver educação gratis para todos, se há pessoas com capacidades para pagar? todos os privilégios são à custa de alguém e normalmente são dos que trabalham

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  2. Pois é, Tiago, se tivesses estudado näo estavas numa privada. Essa é que é essa. Normalmente os meninos de papá é que estäo nas Univs. privadas, porque näo tiveram notas para entrar numa pública.

    Os meus pais säo os dois operários, lutaram para me poder pagar um Curso Superior, e eu esfalfei-me durante a adolescência TODA numa escola pública "da província" a estudar (chegando a trabalhar nas férias) para poder ingressar na melhor Universidade Pública possível.

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  3. Relativamente ao artigo, se näo é a Joana que perde o medo e se junta à manifestaçäo, quem será? Os ricos que a exploram?

    Quem tem que se mexa, e näo espere por despertar sentimentos de empatia nos outros. Eu empatizo com a Joana porque sou de esquerda, mas ela também tem de mostrar a sua revolta. Se todos se abaixam, o patronato explorador ganha.

    Há que dar o corpinho ao manifesto, ou entäo aguente durante 50 anos de ditadura até que um "maluco" os salve. O tuga é muito corajoso a pedir direitos mas é agachado atrás de um Homem como Salgueiro Maia, que dá o corpo e o espírito à Liberdade!

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