Morreu na última segunda-feira, aos 100 anos de idade, o último dos homens do cangaço liderados por Virgulino Ferreira, o Lampião. Há 72 anos António Inácio da Silva foi um dos poucos que conseguiu escapar à chacina de que foi vítima o grupo de Lampião, em pleno sertão do Estado brasileiro de Sergipe. Depois de decepadas pelas forças do exército federal as cabeças dos cangaceiros foram mergulhadas em aguardente e cal e expostas um pouco por todo o país. As cabeças de Lampião e de sua mulher, Maria Bonita, foram as mais ostentadas. Com a morte de Inácio da Silva desaparece o último elo vivo com o cangaceiro que se transformou num poderoso mito.
Longe de se enquadrar no tipo de bandido nobre, como Robin Hood, Lampião é, ainda hoje, tema de polémica pelos seus feitos de mais de 20 anos de cangaço, onde a violência extrema para com líderes locais e mesmo para parcela dos camponeses nas inúmeras pilhagens de vilas e vilarejos no nordeste brasileiro se contrabalança com a imagem romântica de um cangaceiro de óculos, autor de poesias e exímio bordador. Entre criminoso cruel e sanguinário ou justiceiro social, líder das vítimas de um sistema opressor, Lampião foi conquistando o seu espaço na história e na imaginação colectiva de um país.
O tema do banditismo social foi magistralmente abordado por Eric Hobsbawm em Primitive Rebels: Studies in Archaic forms of Social Movements in the 19th and 20th centuries (1959) e Bandits (1969). Em ambas as obras Lampião e seu bando são alvo de referência, tornando-se a base da conceptualização proposta por Hobsbawm para o tipo de bandido Vingador. Um tipo de banditismo que atinge proporções políticas pela função que exerce na relação de forças sociais e pelo produto violento que é de um sistema de exploração, uma revolta dos debaixo que encontra no facão o seu instrumento de organização.
Se Lampião se enquadra de facto na conceptualização que inspirou é algo longe de alcançar consenso mas, como bem assinalou Hobsbawm, na historiografia do banditismo social importa também analisar o papel do mito nas formas de legitimação do Estado e consequentemente no seu senso de legalidade (ao próprio Lampião foi oferecido um período de legalidade em 1926 em troca do seu apoio no combate à Coluna Prestes). Como já se sabe, o passado também se conquista.
"Alguém aí tem resposta
ResponderEliminarPra pergunta que eu faço?
Lampião, rei do cangaço
Foi bandido ou foi herói?"
Carlos Araújo - Lampião moderno.