14 de setembro de 2010

O massacre do povo Karen



Escrevi para a “Comuna” há um ano que “a prisão de Suu Kyi além de ser um brutal ataque à liberdade da mesma e um incompreensível e condenável ataque dos generais Birmaneses, evidência uma total hipocrisia política e moral de países como os Estados Unidos, a Rússia e a China (com a óbvia colaboração da UE).”


Retomo este parágrafo para citar mais um exemplo também ele bem clarificador do regime repressor e autoritário que está instalado na Birmânia: o massacre ao povo Karen. O povo Karen é um grupo étnico minoritário que se fixa há anos na Birmânia e que representa cerca de 7 % da sua população total, aproximadamente 6 milhões de pessoas. É um povo com uma cultura própria, com tradições, práticas e costumes autónomos e que por esse facto é alvo de fortes ataques repressivos do regime Birmanês. Ataques esses que são verdadeiros atentados à dignidade humana: repressão física, isolamento e segregação, punição e perseguição a quem lhes forneça comida e medicamentos, violação e morte de mulheres, massacres étnicos. E a verdade é que perante esta brutal ofensiva aos Karen a comunidade internacional nada diz. Os olhos da comunidade internacional preferem ignorar aquilo que obviamente eles vêm: o regime Birmanês é um antro de crimes contra a humanidade, é um regime onde os direitos humanos não são respeitados e onde a liberdade individual e o direito à autodeterminação são completamente esquecidos e desrespeitados.



Como há um ano escrevi: “a questão energética é a questão central porque ninguém condena a Birmânia e os seus ataques à liberdade e à democracia. E sobre a questão energética existem pontos-chave: todos estes países (potências ocidentais e orientais” utilizam portos birmaneses; foram encontradas novas jazidas de petróleo e gás; está a ser construído um oleoduto e um gasoduto entre a Birmânia e a China de 2800 quilómetros; a Tailândia é o primeiro cliente de gás da Birmânia; a Índia não quer dar à China o monopólio energético sobre a vizinha Birmânia (daí ter mudado radicalmente a sua posição em relação a Suu Kyi); a Rússia ir vender centrais nucleares à Birmânia... Enfim, neste tabuleiro político em que os interesses energéticos e económicos se sobrepõe ao respeito pela liberdade, pelo homem, pela democracia, estão sentados todos os países que nos vendem discursos pacifistas e democráticos...” Perante os governos Mundiais que a troco do seu oxigénio económico, o petróleo, ignoram os princípios básicos sagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que são cúmplices de violações, espancamentos, mortes, miséria, fome e segregação racial, é importante questionar: onde é que uma esquerda internacionalista se situa?



Mesmo perante o segregacionismo político, social, económico, alimentar, médico, e o encurralamento a que este povo está submetido, a verdade é que as armas e a repressão nada podem contra o movimento social. O esquecido povo Karen nunca se deixou abater, nunca vacilou… E mesmo perante uma estrutura de vida precária de floresta em floresta, com pouquíssima comida, sem médicos nem medicamentos, o povo Karen resiste e persiste a sua luta contra os ataques e a prepotência da oligarquia militar Birmanesa e mantém coeso o seu combate pela autonomia, a independência, a autodeterminação das suas gentes e o direito à liberdade. Uma esquerda responsavelmente internacionalista e comprometida com os valores da democracia e da liberdade tem de estar ao lado do povo Karen, como já está ao lado de outros povos em luta, como o povo Kurdo na Turquia. Uma esquerda responsavelmente internacionalista sabe que se os ataques são globais, as respostas também têm de ser globais e se as grandes potências são coniventes com os ataques aos povos, então a luta contra os ataques aos povos tem de ser global, e de todos. Já não chega o internacionalismo institucional que se fica por escritórios, salas de reunião e “turismo revolucionário”. Há mais caminhos a percorrer.

Não há nenhuma arma capaz de deter a resistência e a liberdade:


“Nós, os Karens da Birmânia, fomos encurralados e obrigados a lutar contra os governos autoritários birmaneses durante os últimos quarenta e três anos. Nas rédeas de todos os órgãos de estado e controlando os jornais, a rádio e a televisão, os sucessivos governos birmaneses sempre fizeram passar de nós a pior imagem que conseguiram. Rotularam-nos como insurgentes, instigadores da guerra, ladrões de fronteira, comerciantes de mercado negro e servidores do imperialismo comunista e capitalista. Mesmo assim, na medida das nossas possibilidades, sempre tentámos refutar a propaganda tendenciosa birmanesa, cheia de falsas acusações. Sempre tentámos dar a conhecer ao Mundo a verdade da nossa causa. Na luta contra o autoritário governo birmanês, não somos motivados pelo simples nacionalismo, nem por hostilidade com o povo birmanês. A nossa luta não foi instigada pelo mundo capitalista nem pelos comunistas, como alguns falsamente nos acusaram. A nossa luta tem uma singularidade especial. Através da história, os birmaneses sempre praticaram a aniquilação, absorção e assimilação (os três Às) contra os Karens e continuam a fazê-lo hoje em dia. Em poucas palavras, moveram-nos uma guerra genocida. Assim sendo, fomos forçados a lutar pela nossa própria existência e sobrevivência. A luta dos Karens representa uma causa justa e nobre. Esperamos que através dela, o mundo possa tomar conhecimento da verdadeira situação dos Karens, um povo esquecido que continua a lutar intensamente pela sua liberdade, com grandes limitações e sem auxílios de qualquer tipo.”

João Mineiro
(texto originalmente publicado na Comuna Online)

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