14 de setembro de 2010

“Economistas, só mais um esforço para serdes republicanos!”1

A partir do próximo ano as propostas de orçamento dos governos da União Monetária passarão a ser alvo de fiscalização e aprovação por parte da Comissão Europeia, antes ainda de sequer chegarem aos parlamentos nacionais. E não é só. Os governos dos diversos países passam a ter o poder de comentar as propostas orçamentais dos restantes. Estão também previstas novas sanções para quem não cumpra os limites do défice (3%) impostos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Economistas e "políticos" estão contra a democracia quando, em nome de uma pretensa inevitabilidade científica, aceitam suspender o debate político e a escolha democrática. Mas o que querem fazer passar, vestido de verdade científica, não passa de um conjunto de argumentos ideológicos representativos de uma determinada concepção daquilo que deveria ser a ordem social, uma concepção política.

A União Europeia sofre hoje as consequências de uma construção profundamente desequilibrada e desigual, à medida dos interesses das suas grandes potências económicas, países e instituições privadas. A inexistência de um processo de integração económica coordenado e solidário, a priorização da estabilidade de preços em detrimento da criação de emprego, as permanentes pressões para o cumprimento das metas para o défice afastaram as politicas económicas da realidade dos países, beneficiando uns e condenando outros à estagnação.

Por outro lado, a obsessão pela independência do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, em nome da defesa das tais "verdades", afastaram os mais importantes centros de decisão da política europeia do controlo democrático, da soberania popular. O poder, mais uma vez, é dos mais fortes, da Alemanha e dos lobbies económicos.

O Orçamento do Estado é um dos mais poderosos instrumentos de política económica. É nele que estão contidas as escolhas políticas relativamente às origens e os destinos do dinheiro do país, quem paga e recebe o quê, e com que critérios. É, portanto, o documento onde se definem os limites para o endividamento de um Estado e a sua composição.

Ora, as escolhas políticas de um determinado país devem resultar, como se entende, de forma directa da vontade popular, manifestada através do voto e, de forma indirecta, do debate democrático dentro da sociedade, da permanente relação de forças entre partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais. A isto se chama DEMOCRACIA.

O raciocínio que daqui decorre é simples: se o orçamento do estado do Estado reflecte escolhas de política económica e se as escolhas de política económica devem, por sua vez, reflectir a vontade popular e o debate democrático, um visto prévio a este orçamento (por parte de uma instituição não directamente sufragada, como é a Comissão Europeia), é uma limitação da democracia. Sem tirar nem pôr. É o mesmo que dizer "vocês são livres de votar em qualquer partido mas nós seleccionamos os partidos disponíveis para votação, não vá acontecer o caso de escolherem errado".

E o que é que significa "escolher errado" neste caso? O que é que é o certo e quem é que o define?

É neste ponto que entramos de novo no campo das verdades económicas científicas. Não existe qualquer prova científica que suporte a ideia de que estes planos de austeridade são o melhor remédio para os países em crise, pelo contrário. Tão pouco há confirmação de que um défice de 3% seja o ideal para Portugal, para a Alemanha, para a Roménia e a Grécia.

O que tem que ser alvo de escolha política, de decisão democrática, não é se queremos ou não sair da crise, mas como é que o vamos fazer. A "receita" implementada determinará o aspecto futuro das nossas sociedades: se teremos mais ou menos pobres, salários mais ou menos elevados, mais ou menos precários, mais ou menos serviços públicos, mais ou menos segurança social. E estas são questão demasiado importantes para serem deixadas à mercê de uma fraudulenta ciência económica ortodoxa, que usa do seu estatuto para levar a sua ideologia neoliberal por diante.

Contra a imposição desta ideologia não podemos, em caso algum, permitir a "transformação do discurso sobre a política económica numa sucessão de argumentos antipoliticos e antidemocráticos".

Devemos sim denunciar estes ataques e lutar por uma União Europeia mais democrática, composta por instituições capazes de reflectir a vontade dos povos e contrariar a relação desigual de poderes no seu interior. Para isto é necessário, sem dúvida, uma maior coordenação económica entre os países membros, mas que esta não se faça porque é necessário controlar e limitar os Estados. Faça-se sim para fomentar a solidariedade, acabar com o desemprego e as desigualdades, para proteger os países da especulação criminosa, para defender práticas ambientalistas, para promover a igualdade entre homens e mulheres… não faltam bons motivos.

Mariana Mortágua
(escrito para A Comuna on line)

1 Jacques Sapir, ‘Os economistas contra a democracia’.

2 idem

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