Qualquer coisa que hoje se escreva sobre a morte de José Saramago trará, inevitavelmente, um vago sabor a edificação de um santo.
Aliás, durante o dia de ontem ouviram-se dezenas de lamentações à morte do escritor - da política, da cultura, passando pelo seleccionador português.
E até, imagine-se, Cavaco emergiu da sua mumificação semi-permanente, para "lamentar profundamente" a morte do escritor.
Saramago não foi, nem julgo que quisesse sê-lo, um escritor consensual. E essa coragem valeu-lhe a crítica mordaz dos sectores mais conservadores da sociedade. António Sousa Lara, com o apoio do então primeiro-ministro Cavaco (ontem tão combalido, coitado), vetou a candidatura do "Evangelho segundo Jesus Cristo" a um prémio europeu.
A ideia de tornar Saramago num símbolo da cultura nacional é exactamente o oposto de uma justa homenagem. Consensualizar Saramago é apagar parte da sua obra. E descansem os nacionalistas pacóvios, afectados pela febre do Mundial: afinal o corpo de Saramago vai ficar em Portugal.
Nós por cá preferimos prestar homenagem a um "comunista por necessidade hormonal", que "nunca precisou de deixar de ser quem é" para receber um Prémio Nobel.
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