7 de abril de 2010

O não-Estado da Guiné-Bissau



A Guiné-Bissau é um Estado que reluta em existir. Mais de 35 anos após a independência este, que foi o país que engendrou a mais eficaz luta de libertação nacional do jugo colonialista e ditatorial do Portugal de então, arrasta-se num pântano político onde a corrupção e o clientelismo marcam a actuação das suas elites políticas e militares. A fraqueza do aparelho estatal guineense, cuja influência na estrutura económica e social é próxima do nulo, é perceptível, mais uma vez, na forma como um abalo na precária e instável relação de forças estabelecida entre PAIGC, chefias militares e redes de narcotráfico atira o País, novamente, para o drama de um golpe militar.

De resto, a história política da Guiné-Bissau nas últimas décadas tem sido a história das sucessivas tentativas de decapitação das lideranças militares e políticas operadas pelos seus subordinados, muitas delas com sucesso. Assim foi em 1980, com o “movimento reajustador” de Nino Vieira que, com um golpe de Estado, varreu as lideranças cabo-verdianas do PAIGC e desfez, em 1986, à base de dezenas de fuzilamentos sumários, uma suposta conspiração militar que tinha o intento de derrubá-lo. Em 1998-1999, com a guerra civil desencadeada pelo movimento golpista do Brigadeiro Ansumane Mané que leva ao afastamento do, já então, Presidente da República, Nino Vieira. Em 2003, com o assassínio do mesmo Ansumane Mané durante o levantamento militar liderado pelo General Veríssimo Seabra que depõe o Presidente, Kumba Yala (eleito com o apoio do Partido da Renovação Social – PRS). Em 2004, com a eliminação deste mesmo General durante um novo golpe que leva à nomeação do Major-general Baptista Tagme Na Wai como novo Chefe do Estado-Maior General das Forças. E finalmente, em 2009, com o assassínio de Nino Vieira, desde 2005 novamente Presidente da República, perpetrado por militares em represália da morte de Tagme Na Wai, alegadamente a mando de Nino Vieira, dois dias antes.

Os acontecimentos de 1 de Abril do 2010, com a prisão do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, Almirante Zamora Induta e do Primeiro-Ministro, Carlos Gomes Junior (PAIGC), a mando do vice-chefe de Estado-Maior, António Indjai (líder da expedição punitiva que assassinou Nino Vieira), embora ainda pouco claros, parecem constituir mais um capítulo na tragédia política guineense onde a história teima em repetir-se. Há quem defenda que Indjai seria o substituto lógico de Tagme Na Wai tendo, na altura, Carlos Gomes Junior, imposto Induta para o cargo. Ajuste de contas ou não o certo é que Indjai auto proclama-se como novo Chefe do Estado-Maior e não parece fazer tenções de abandonar o cargo, por outro lado, o Governo liderado por Carlos Gomes Junior, entretanto libertado, parece estar condenado, com o PRS de Kumba Yala a pedir já a sua demissão. A saída poderá passar pela demissão de Carlos Gomes Júnior levando à nomeação, por parte do Presidente Malan Bacai Sanhá, de um novo primeiro-ministro que surja do seio do PAIGC.

Num país com 1,4 milhões de habitantes, que ocupa a décima pior posição no IDH, onde a esperança média de vida é de 46 anos e a maior parte da população vive com menos de 1,5 dólares por dia, estima-se que o exército seja composto por 6 a 10 mil efectivos, havendo um número desmedido de oficiais. Até que ponto o plano de reestruturação do exército, que prevê a redução do número de quartéis e dos efectivos (para os 3500), e que conta com a participação directa de Bruxelas e Portugal, teve influência neste golpe de Estado é uma dúvida que fica. O certo é que na terra de Amílcar Cabral, que tanto fez por contrariar o controle militar sobre o movimento político de libertação, a existência de um Estado, capaz de produzir e distribuir no plano económico, político e social é uma realidade que parece muito distante.

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